Pastoral Carcerária entrou com representação contra Fernando Krebs após ele declarar em entrevista à Ponte que havia “interesses escusos” por trás de denúncias; “nosso trabalho é difamado e apontado com descrédito”, diz coordenadora
Após uma representação feita pela Pastoral Carcerária Nacional, a Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) decidiu abrir um procedimento disciplinar para apurar a conduta do promotor Fernando de Aurvalle Krebs, que é o responsável do órgão pelos presídios do estado. Em 6 de abril, a entidade havia protocolado uma Reclamação Disciplinar na corregedoria nacional do MP por conta das declarações dadas pelo promotor em uma entrevista à Ponte, no fim de março, em resposta às denúncias de maus tratos, tortura e insalubridade no sistema prisional goiano.
Na ocasião, Krebs disse que visitou o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (GO) e negou que houvesse violações de direitos dos presos, ao contrário do que apontou relatos apresentados pela Pastoral e um relatório de inspeção produzido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Defensoria Pública do estado.
“Ninguém gosta de ficar preso. E preso você sabe, gosta de reclamar de tudo. Reclama da comida. A comida já foi melhorada. Há muita reclamação de quem tem seus interesses contrariados”, declarou à Ponte na época. “Acho que está havendo uma distorção grande sobre o que que está havendo e acho que tem interesses escusos por trás disso”, comentou.
Em dezembro do ano passado, a visita da OAB-GO à Penitenciária Coronel Odenir Guimarães (POG) e à Casa de Prisão Provisória (CPP) do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia constatou que as unidades não tinham a mínima estrutura para abrigar pessoas e ouviu diversos relatos de encarcerados sobre maus tratos, espancamentos e de profissionais com transtornos psicológicos. Já a denúncia apresentada pela Pastoral, em outubro de 2021, relatou que os detentos sofreram agressões na antiga Colônia Agroindustrial do Regime Semi-Aberto, hoje denominada de Central de Triagem.
No entanto, o relatório de inspeção realizado pelo Ministério Público no mês seguinte, em janeiro deste ano, descreve um cenário bem diferente sobre o mesmo complexo. Fernando Krebs afirma, no documento, que os presos da POG dispõem de meios necessários para a ressocialização e que não ouviu relatos de tortura e maus tratos. Acerca do CPP e da Central de Triagem, o relatório cita superlotação e atribui as condições precárias das celas aos detentos. O promotor decidiu então, em 31 de maio, arquivar o inquérito que apurava as denúncias da Pastoral. “Não há irregularidades ou omissão a ser apurada, tampouco ato de improbidade administrativa, concluiu.
Na representação apresentada à corregedoria, a Pastoral Carcerária aponta que a visita às unidades prisionais feita por Fernando Krebs ignorou protocolos nacionais e internacionais de inspeção. “O promotor fez a visita e a oitiva, por exemplo, com a presença da diretoria geral da administração penitenciária, da direção da unidade prisional e de agentes penitenciários armados. Não fez questão de proteger e blindar os depoimentos das vítimas, prejudicando a captação da realidade vivenciada pelas pessoas presas”, explica a coordenadora nacional da Pastoral, Irmã Petra Silvia Pfaller.
A ação também menciona que a reposta de Krebs “se referiu genericamente ao Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia” e que seu despacho não continha a ata da oitiva das pessoas encarceradas e documentos que comprovassem o sistema de saneamento básico, a assistência médica e o fornecimento regular de alimentação das unidades.
A Pastoral também negou que houvesse “interesses escusos” nas denúncias e destacou que a afirmação do promotor é “desrespeitosa e ofensiva à história e ao trabalho vivenciado cotidianamente pela Defensoria Pública de Goiás, pela OAB-GO, pela Pastoral Carcerária, pelas familiares de pessoas presas e por todos e todas que lutam pelos Direitos Humanos”.
Para Irmã Petra, o MP tem se isentado da responsabilidade em garantir os direitos previstos nas leis, de apurar as denúncias com seriedade e está “camuflando a realidade vivida pelos presos”. “Com o posicionamento do promotor, nosso trabalho é difamado e apontado com descrédito, como se não tivéssemos o compromisso missionário de defender direitos humanos. Isso dói”, lamenta.
A coordenadora também critica a falta de respostas no pedido feito pela Pastoral e outras 140 organizações da sociedade civil para que o diretor-geral de Administração Penitenciária de Goiás, Josimar Pires Nicolau do Nascimento, fosse afastado do cargo. Ele é acusado de ordenar e recomendar sessões de tortura e espancamento contra presos, o jornal El País revelou uma gravação em que Nascimento comenta as agressões.
“Apesar do nosso posicionamento coletivo, o diretor geral segue no cargo, institucionalmente blindado, sob o aval do governo do estado, sem qualquer responsabilização. O caso foi praticamente silenciado e engavetado pelo Estado”, avalia.
Irmã Petra afirma que a situação descrita nas denúncias não mudou nos últimos meses e que tanto as entidades quanto as famílias têm dificuldades para acompanhar a rotina dos detentos. “O complexo continua fechado e impenetrável para a sociedade civil, e isso cria um obstáculo intransponível para o acesso à realidade vivenciada nas unidades”.
“A maioria das informações sobre o complexo são fornecidas somente pela própria diretoria geral, prejudicando a credibilidade do que for noticiado. Por isso precisamos quebrar essa barreira, para que outros canais de denúncias e informações sejam estabelecidos, para que possamos captar de fato a realidade prisional”, reivindica a coordenadora.
Outro lado
Procurado pela reportagem, o Ministério Público do Estado de Goiás não comentou a representação da Pastoral e informou que o promotor Fernando Krebs não quis conceder entrevista sobre o assunto. O órgão apenas confirmou que o inquérito contra o diretor-geral de Administração Penitenciária do estado, Josimar Pires Nicolau do Nascimento, continua em investigação.