Operação no Centro de Progressão Penitenciária II de Bauru encontrou drogas, balanças de precisão, celulares e até máquina de tatuagem, e derrubou diretor
O plantão da noite no Centro de Progressão Penitenciária II de Bauru, o CPP II, localizado no interior de São Paulo, costumava ser assumido por cinco ou seis agentes penitenciários, que tinham sob sua segurança cerca de 2.600 presos.
Na divisão dos postos de trabalho, cada agente se encarregava de trancar sozinho um pavilhão inteiro, com 1.200 pessoas.
Esse era o cenário do CPP II quando foi realizada uma revista geral, que começou na segunda-feira, 9. Cerca de 200 homens do GIR (Grupo de Intervenção Rápida) – tropa formada por agentes penitenciários e que funciona como uma espécie de polícia de intervenção da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo -, assumiram o controle da cadeia e começaram o pente fino nas celas e pavilhões.
A operação começou às 4h30 da manhã e só foi terminar na final da tarde. O balanço oficial da SAP registrou a apreensão de 289 celulares, equipamentos diversos, como fones de ouvido, carregadores e baterias, além de drogas, cinco balanças de precisão e duas máquinas de tatuagem.
Depois da ação, quatro diretores da unidade teriam perdido seus postos e 135 presos foram transferidos. A SAP, no entanto, confirmou apenas a saída do diretor geral da unidade, Wilson Elorza Jr.
O CPP II é uma unidade prisional de regime semiaberto. Ao lado dele fica o CPP I, na altura do km 350 da rodovia Marechal Rondon. Cerca de 5.000 presos amontoam-se nas duas unidades, que têm, juntas, uma capacidade para menos de 3.500 pessoas.
As unidades não possuem agentes de escolta e vigilância penitenciária (AEVP), que são os servidores da SAP responsáveis pela segurança externa dos presídios e pelo transporte de presos para hospitais ou fóruns.
Os objetos apreendidos na operação chegam até a cadeia pela ação dos “ninjas”. Os agentes penitenciários dão esse nome a pessoas encapuzadas com toucas ninja que fazem entregas aos presos. Segundo relato dos servidores, eles cortam o alambrado de arame do presídio e arremessam os objetos nas janelas das celas.
No CPP II, a vigilância fica comprometida devido à inexistência dos AEVPs e ao número de agentes penitenciários abaixo do recomendado – como ilustra a situação do plantão da noite, relatada no início desta reportagem.
Para se ter uma ideia, a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) recomendam a proporção de cinco presos para cada agente.
A situação não é exclusiva do CPP II. O estado de São Paulo tem metade do número de agentes penitenciários necessários para o trabalho, como apontou levantamento feito pelo portal G1.
São Paulo tem a maior população carcerária do Brasil, com mais de 240 mil presos, segundo levantamento de 2016 do Ministério da Justiça e Segurança Pública. De acordo com dados do Portal da Transparência do Governo do Estado do início de 2019, são cerca de 24 mil agentes de segurança penitenciária e quase 6,5 mil agentes de escolta e vigilância penitenciária.
Profissão de risco
A SAP informou ao Jornal Dois que foram instaurados Procedimentos Apuratórios Preliminar e Disciplinar para averiguar os fatos. Também foi feito registro via boletim de ocorrência. A reportagem não teve acesso ao documento no Plantão Policial pois foi informado que o B.O. estava indisponível.
Para entender a operação e a situação que estava a unidade, o Jornal Dois conversou com um agente penitenciário que trabalha há 27 anos no CPP II. Por segurança, ele pediu para não ser identificado.
Jornal Dois – Como os objetos apreendidos na operação chegavam até a cadeia?
Agente – Há muito tempo vem um pessoal pra fazer entrega de droga, de celular, em sacolas. A gente chama esses caras de “ninja”, porque entravam à noite, e ninguém via, pois não tinha segurança. Eles cortam o alambrado de arame, na altura dele mesmo, entra com a sacola de coisas e deixa na janela da cela. Dessa última vez deu pra ver quando entraram, porque recentemente foram instaladas câmeras. A chefia da noite viu a movimentação. Quando foram atrás dele, o ninja disparou um tiro contra o agente.
J2 – Que tipo de coisa era entregue?
A – O último ninja deixou 30 litros de Whisky, várias peças de salame, faca pra cortar o salame, suco tang, cachaça, viagra, doce.
J2 – Por que entrava tanta coisa na cadeia?
A – Eu acredito que ali tava virando uma biqueira de Bauru. O centro de distribuição de Bauru. Há 4 plantões atrás, nós pegamos um preso com droga saindo da unidade para trabalhar [No regime semiaberto o preso pode sair durante o dia para trabalhar]. Como a roupa estava volumosa, quando ele viu a gente, tirou o pacote e dispensou. Ele iria levar esse pacote para trabalhar e distribuir na rua, porque quando ele sai, não é revistado. Acreditamos que eles estavam beneficiando a droga dentro da unidade. Estava tudo cortadinho, em cubinhos de mesmo tamanho, parecia até trabalho feito por máquina. Tinha balança de precisão. Já saía pronto pra ser vendido na rua, pronto para o varejo. Como estava dentro da cadeia, fugia de qualquer suspeita, e era feito tudo com segurança. A droga que a gente pegava era bruto, tablete de 1kg, 1,5 kg. Só faltava fracionar. Dentro da cadeia eles cortavam, com calma. Colocavam no peso certinho. E durante o dia passavam para os presos que sairiam pra rua trabalhar, que se encarregavam de vender. Eu considero uma central das biqueiras de Bauru. Tinha maconha, cocaína, crack, ecstasy, LSD.
J2 – E como ficou a situação depois da operação?
A – O GIR diminuiu um pouco a quantidade de agentes, mas continuam dando blitz nos mocózinhos. No primeiro dia foram mais ou menos uns 200 homens do GIR. Foi o dia inteiro, começou 4h30 da manhã e foi até o fim da tarde. Nessas situações é o GIR que toma conta da cadeia em operações. Você só fica acompanhando. Pra entrar na cela, pra tudo. A gente vai passando a coordenadas, porque quem conhece a cadeia somos nós. Depois do primeiro dia, continuou encontrando coisa. Colocaram cão farejador, então tá achando bastante coisa.
J2 – Como o baixo número de funcionários da unidade reflete no dia-a-dia da unidade prisional?
A – O plantão da noite estava sendo assumido com cinco ou seis funcionários para 2.600 presos. É um em cada pavilhão. Cada pavilhão tem 1.200 presos. Era um agente trancando 1.200 presos. E no escuro tudo isso. Muitas vezes queimava luz e a manutenção não dava conta de arrumar. Então tinha que trancar 1.200 presos no escuro, com risco de levar tapa, levar facada. Atualmente bastante agente está para aposentar. E isso tudo reflete no andamento da cadeia. Recentemente os CPPs I e II receberam funcionários transferidos do IPA [antigo Instituto Penal Agrícola, hoje CPP III de Bauru]. O CPP ll mandou todos para a noite, devido ao enorme déficit, que ainda continua ruim. E a maioria dos funcionários que chegou, está pra aposentar. Tapou o sol com a peneira.
J2 – O que dá pra esperar dessa situação e de alguma melhoria?
A – Depois dessa operação ficou se falando que foram os funcionários que deixaram as coisas entrar. Não tem como. Funcionário não levaria tudo aquilo – se é que levaria alguma coisa. A primeira coisa a se fazer é contratar funcionário. Senão não vai ter jeito. E depois disso estruturar. Mas está péssimo. A cadeia só não era do ladrão porque a gente não deixava.
Reportagem publicada originalmente em Jornal Dois