Em novo filme, cineasta trata da violência de Estado que atinge jovens negros e periféricos do ponto de vista de uma mãe, e traz referência dos Crimes de Maio
Habituado a trazer a violência como elemento importante em seus trabalhos, o diretor Cristiano Burlan conta, em seu novo filme, sobre a busca da migrante nordestina por seu filho, supostamente assassinado por policiais militares durante uma ação no bairro onde vive. “A mãe” é ambientado em São Paulo e começou a rodar este mês.
“O filme é sobre uma mãe que luta pelo direito de viver o seu luto. Não é natural uma mãe enterrar seu próprio filho. E menos natural ainda não poder ter direito ao enterro, ao corpo do filho”, explica Burlan, em entrevista à Ponte no set de filmagem no dia 23 de janeiro.
O cineasta destaca como exemplo mais emblemático dessa violência os Crimes de Maio de 2006, quando o braço armado do Estado matou 505 civis em resposta aos ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), que deixaram 59 agentes públicos mortos, a maioria policiais militares. Segundo Burlan, Debora Maria da Silva, fundadora do movimento Mães de Maio, tem um encontro no filme com a protagonista Maria.
O longa vai tratar também dos desaparecidos da ditadura militar. Dulce, interpretada por Helena Ignez, terá também um encontro com Maria. “Durante a preparação, muitas vezes saíamos muito tristes das conversas que tínhamos especialmente com as mães. É uma dor incessante”, avalia Marcélia.
Nascido em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, e criado no Capão Redondo, bairro na zona sul da cidade São Paulo, Cristiano Burlan sempre trouxe a temática da violência em sua obra porque sua história está marcada por uma série de episódios desses tipo.
O diretor perdeu o irmão, morto por policiais, o pai, que trabalhava em uma obra e morreu em circunstâncias misteriosas, e a mãe, vítima de feminicídio. Todas essas histórias geraram o que ele chama de “Trilogia do Luto” formada por Construção (2006), Mataram meu irmão (2013) e Elegia de um crime (2018).
Para Burlan, não é possível fazer cinema de forma minimamente verdadeira tratando de temas dissociados daquilo que carregamos nas nossas existências. “Eu adoraria fazer filme sobre gente rica, burguesa, de frente para o mar e feliz, mas essa não é minha história”, provoca.