Cruz em chamas: chefe de unidade da PM nega ‘ritual’ ou ‘conotação ideológica’

Comandante do 9º Baep, de São José do Rio Preto (SP), disse que vídeo mostra apenas celebração a policiais recém-chegados e que fogo em cruz simboliza “renascimento do guerreiro”. Ouvidoria pediu afastamento dos policiais gravados

O tenente-coronel José Thomaz Costa Júnior, comandante da unidade do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (9º Baep), unidade filmada em uma cerimônia com uma cruz em chamas e policiais com o braço em riste, afirmou que aquilo se tratava de uma celebração dos policiais recém-chegados ao Baep.

José Thomaz negou que os agentes tenham colocado fogo na cruz em alusão a algum ritual. Segundo ele, a ação era para iluminar o objeto, simbolizando “o renascimento do guerreiro”. O argumento foi dado em entrevista ao jornal DHoje Interior, publicada nesta quarta-feira (16/4) [veja abaixo], após a repercussão negativa do vídeo publicado no perfil oficial do 9º Baep no Instagram — que sugeria uma menção à prática do grupo supremacista branco norte-americano Ku Klux Klan.

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Nas imagens, policiais aparecem posicionados em frente a uma cruz em chamas. Dois dos agentes aparecem, ainda, com o braço em riste — de forma semelhante a uma saudação nazista [veja acima]. E a conta do tenente-coronel na rede social aparecia marcada no vídeo.

Segundo José Thomaz, a cerimônia marcou a entrega de braçais, item que integra o fardamento e identifica o policial e sua qualificação. “A cerimônia tem alguns aspectos de simbolismo, representa a dificuldade que o policial percorre nesse período e a gente dá bastante ênfase na vitória, na conquista”, afirmou. O comandante do 9º Baep disse que esse tipo de cerimônia é comum entre as tropas.

Sobre a suposta saudação nazista, José Thomaz se defendeu dizendo que os agentes faziam um gesto com o braço estendido na posição de 45 graus “como qualquer juramento que todas as profissões realizam”. 

“Obviamente, nós não tínhamos nenhuma intenção de que isso tivesse qualquer interpretação ou conotação ideológica no nosso pessoal. São 100% cristãos, aqui nós temos no BAEP policiais de todas as etnias, de todos os credos, mas todos cristãos”, disse José Thomaz. O material foi produzido durante o horário de trabalho dos agentes e, segundo o tenente, foi gravado à noite — o que não é comum — porque a equipe “vitoriosa” pertence ao pelotão noturno.

Leia também: Batalhão da PM que fez cerimônia com cruz em chamas já havia feito treino com ‘favela’ como inimigo

Um vídeo e uma nota sobre o caso foram publicados no perfil do 9º Baep. O texto busca reforçar a versão de que as imagens mostram apenas uma cerimônia de entrega do braçal. “A Polícia Militar esclarece que não houve qualquer intenção de fazer alusão a ideologias e cultos ou manifestações de cunho político, religioso ou racial”, afirma o texto.

No vídeo o comandante repete as explicações dadas na entrevista. José Thomaz também diz que as imagens foram deletadas por causa da repercussão, “que não desejávamos”.

Nesta quinta (16/4), a Ponte divulgou um novo vídeo do ocorrido, no qual um agente que aparenta ser recém-integrado ao 9º Baep faz um juramento com o braço em riste. Ele fala em honrar a corporação e a sociedade paulista até mesmo com a própria vida, caso isso seja necessário.

Ouvidoria pede afastamento dos PMs 

A Ouvidoria das Polícias pediu à Corregedoria informações sobre o afastamento dos policiais envolvidos e, caso não tenha sido feito, requereu essa ação. “Quando a polícia adota práticas bárbaras e criminosas, é urgente que se revisem seus procedimentos e atos de comando. A sociedade clama por uma segurança cidadã, que respeite seus direitos fundamentais, e não tolera mais este retrocesso civilizatório que agride o patrimônio, a história, a vida”, escreveu o órgão, em nota.

Já o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) instaurou nesta quarta-feira (16) uma investigação para apurar a veiculação do vídeo. A apuração será feita pela promotoria de Justiça de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo.

Batalhão é ‘Rota do interior’

O Baep é uma unidade especializada criada pela gestão João Doria (PSDB), em 2019, para atuar como uma espécie de “Rota do interior”, com foco em ações ostensivas — atualmente, a unidade também já está presente na capital. A Rota é conhecida por ser a unidade policial que mais mata no estado.

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No caso do 9º Baep, a Ponte já mostrou que ele esteve envolvido na morte a tiros de dois jovens negros injustamente acusados de roubo em São José do Rio Preto. Havia imagens de câmeras de segurança que mostravam as duas vítimas já rendidas antes de serem baleadas. Em 27 de março, contudo, quatro agentes da unidade acabaram absolvidos em um Tribunal do Júri ao serem julgados pelo episódio.

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