Interrompida durante dois anos por causa da pandemia, evento reúne milhares na região central de São Paulo; “não existe democracia com guerra às drogas”, afirma organizadora
Pontualmente às 4h20 da tarde, tradicionalmente conhecida como “a hora de fumar maconha”, dezenas de milhares de pessoas deixaram o vão livre do Masp (Museu de Arte de São Paulo) neste sábado (11/6) e marcharam pela Avenida Paulista, na região central da cidade de São Paulo, gritando palavras de ordem que pediam o fim da guerra às drogas e criticavam o presidente Jair Bolsonaro (PL) e a violência policial.
Foi a primeira edição presencial da Marcha da Maconha desde 2019 — nos dois últimos anos, o evento, organizado desde 2008, havia sido interrompido por causa da pandemia. A marcha deste ano reuniu um público em sua maioria de jovens, vindo de vários locais, inclusive das periferias. Um deles comentou, ao ver os policiais militares que apenas observavam, de longe, os manifestantes que consumiam maconha à luz do dia nublado: “A polícia na quebrada tinha que ser assim. Tá um monte de gente fumando maconha e eles estão aqui tudo suave, só no sapatinho”.
Mas nem sempre foi assim. Surgida em Nova York, em 1999, a Marcha da Maconha se espalhou por dezenas de outros países e, no Brasil, foi proibida por ordem dos tribunais de justiça de diversos estados. Em 21 de maio de 2011, durante a gestão do governador Geraldo Alckmin (então no PSDB, hoje no PSB), a manifestação daquele ano foi violentamente reprimida pela Polícia Militar de São Paulo, que encerrou o ato com bombas, balas de borracha e prisões ilegais. No mês seguinte, em 15 de junho, o STF (Supremo Tribunal Federal), numa decisão histórica, decidiu por unanimidade que a Marcha da Maconha estava protegida pelo direito à liberdade de expressão e não poderia ser alvo de repressão.
Para os participantes da manifestação deste sábado, o protesto contra a guerra às drogas vai além de pedir a liberação das drogas e envolve a luta pela implantação de uma democracia real para a maioria da população. “Não existe democracia com guerra às drogas”, afirmou a jornalista e ativista de direitos humanos Rebeca Lerer, 45 anos, uma das organizadoras do evento. “Para a Marcha da Maconha, como movimento autônomo e essencialmente antifascista, é muito importante voltar às ruas e pautar a questão [do fim] da guerra às drogas como uma agenda civilizatória para o Brasil. A gente não vai evoluir como país se continuar matando e encarcerando a juventude, principalmente a juventude periférica, e sendo conivente com a violência policial e o terrorismo de Estado.”
Vindo de Canavieiras (BA), Igor Guimarães, 33 anos, contou que sempre quis participar da Marcha da Maconha. Ele defendeu o plantio em casa de maconha para evitar financiar o tráfico de drogas. “A parada é muito sinistra. É a mesma coisa do tempo da escravidão: os caras maltratando maconheiro, gente que fuma coisas medicinais”, disse. E pediu: “Gente, para de loucura. Vamos legalizar a parada. Maconheiro não é criminoso”.
Diversos entregadores largaram temporariamente o trabalho para participar do ato. Um deles era Caio Santos, 24 anos, que aproveitou para denunciar a perseguição racista feita à sua categoria. “A gente que é entregador é taxado como bandido”, reclamou. Ele contou que, ao entregar um pedido próximo dali, na Rua Frei Caneca, ouviu uma mulher comentar com o namorado: “Guarda o celular, não viu o entregador aí?”. “É muita tiração, a gente se sente humilhado”, diz.
Christiani Di Risio, do Associação Canábica MãesConha do Brasil, também destacou a amplitude das pautas envolvidas na Marcha. “Não é só para fumar que a gente que a marcha. É muito mais além. É uma luta pelos pobres, pelos pretos, pelas pessoas com deficiência”, disse.
No ato deste sábado, as palavras de ordem trouxeram xingamentos ao presidente, pedidos de liberação das drogas e críticas à polícia: “ei, maconha, a polícia é uma vergonha”. Os policiais militares acompanharam o ato à distância e sem interferir, posicionando-se à frente de alguns locais tidos como estratégicos, como vitrines de concessionárias de veículos e de bancos.
Além de se manifestar, o comerciante Bruno Santos, 25 anos, aproveitou para unir ativismo e comércio, vendendo brownies com “erva peruana” a R$ 20.
Após percorrer a Paulista e descer a Consolação, a Marcha chegou à Praça da República, também na região central, por volta das 19h. Ali rolou o único momento tenso, quando três viaturas da PM passaram em alta velocidade, com as luzes ligadas, no meio dos manifestantes, aparentemente fazendo uma provocação. Apesar disso, os manifestantes se dispersaram com tranquilidade.