Declaração de Biden por mais financiamento à polícia é ataque à justiça racial, diz professor

Para Alex Vitale, autor de “O Fim do Policiamento”, presidente dos EUA sempre foi próximo das polícias e luta pelo desfinanciamento policial precisa ser travada localmente

O presidente dos EUA Joe Biden durante o discurso do “Estado da União”, em 1 de março de 2022. Atrás dele, à esq. a vice-presidente Kamala Harris, e à dir., a presidente da Câmara Nancy Pelosi | Foto: Reprodução

“A resposta não é desfinanciar a polícia. É financiá-la. Financiá-la. Financiá-la”. Repetindo por três vezes sua intenção durante o discurso anual State of The Union (“Estado da União”) na terça-feira passada (1/3), o presidente dos Estados Unidos Joseph Robinette “Joe” Biden mostra que, mesmo em meio à crise após a invasão da Ucrânia promovida pelo presidente russo Vladimir Putin, o front interno ainda é uma prioridade importante para o democrata, e pode afetar outras pessoas que lutam contra a violência policial ao redor do mundo.

O relatório anual apresentado pelo presidente ao Congresso é considerado um termômetro importante dos desígnios e intenções do presidente de turno no país norte-americano. O foco na questão policial, que rendeu aplausos até dos rivais do Partido Republicano, chamou atenção dos ativistas contra a violência policial e do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Para Alex Vitale, professor do Brooklyn College e autor do livro O Fim do Policiamento, a fala de Biden pode impactar a luta pela redução da atividade policial globalmente. “As declarações a favor da polícia e as políticas [de empoderamento policial] do presidente são um ataque direto ao maior movimento por justiça racial a surgir em uma geração”, diz o professor, em entrevista à Ponte.

A leitura prevalente sobre as declarações de Biden é de que ele acena aos eleitores conservadores e republicanos no ano em que se realizam as midterms, eleições do Congresso no meio do mandato presidencial de quatro anos que podem mudar o equilíbrio de forças no país. Além disso, há uma renovada percepção do crescimento da taxa de crimes violentos pelo país, que  Vitale considera uma conexão “política, e não factual” usada “como uma arma para desacreditar pedidos por alternativas ao policiamento”, enquanto os municípios têm passado a aumentar o valor gasto com suas polícias.

Porém, Vitale lembra que, apesar de momentos como na campanha de 2020, quando Biden declarou apoio à uma “verdadeira reforma policial”, se encontrou com a família de George Floyd e se ajoelhou em homenagem às vítimas de violência policial, o atual presidente dos Estados Unidos nunca foi uma figura que gostou de criticar a polícia, muito pelo contrário.

“Há muito tempo Biden é um apoiador de associações policiais e de uma abordagem orientada à punição para a resolução de problemas policiais. Ele decidiu há bastante tempo que era politicamente vantajoso apoiar políticas de ‘endurecimento contra o crime’ como uma maneira de neutralizar os ataques da direita contra ele e também porque ele aderiu à tendência política mais ampla de redefinir problemas sociais como problemas criminais para apagar sua própria responsabilidade sobre esses problemas criados por cortes no orçamento de desregulamentação econômica”, aponta o professor.

O histórico de Biden corrobora a percepção de Vitale: o hoje presidente é autor de uma lei de 1994, quando era senador, que destinou fundos bilionários às polícias e prisões de todo o país, garantiu a contratação de 100 mil novos policiais, ampliou a pena de morte federal e proibiiu presos de baixa renda de frequentarem cursos superiores à distância, entre outras medidas.

A posição de Biden contra do desfinanciamento policial também é refletida nas decisões tomadas em nível federal nos EUA em relação à redução do policiamento: nenhuma, de acordo com Vitale. “O Congresso e os presidentes de ambos os partidos têm sido fervorosos crentes no uso da polícia para resolver problemas como overdoses de drogas, a quantidade absurda de pessoas sem teto e violência juvenil”, critica.

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Desse modo, apesar da solidariedade internacional nas lutas pelo fim da polícia, Vitale acredita que os primeiros passos precisam ser dados localmente, uma vez que o grosso das forças policiais nos Estados Unidos são controladas pelos municípios, e não pelo governo federal. “A luta em torno de estratégias alternativas de segurança pública precisa ser travada em nível local, finaliza.

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