Em visita à Casa Cedro, cinco dias depois de pancadaria, Defensoria Pública de São Paulo registrou ferimentos em adolescentes que contradizem as declarações da direção regional de que funcionários teriam sido acuados e atacados
Após a denúncia das agressões que aconteceram no refeitório de uma das unidades da Fundação Casa, no Complexo Raposo Tavares, no último dia 17, a Defensoria Pública de São Paulo entregou à Ponte Jornalismo imagens feitas dentro da Casa Cedro que mostram que há indícios de tortura no que a direção da instituição definiu como “um ataque dos adolescentes contra os funcionários”.
As defensoras estiveram no local no dia 22, quarta-feira, e afirmam que houve excesso por parte dos servidores. Segundo o órgão, os ferimentos que mais chamam atenção são os cortes na parte superior da cabeça de um interno, que condizem com o que foi relatado pelos internos: apanharam depois de estarem contidos. Muitos já estavam sentados ou de joelhos e com as mãos para trás.
Além disso, dois deles apresentam cortes e vergões de cadeado na lateral dos braços. De acordo com a Defensoria, ambos contaram que um funcionário amarrou o cadeado no cinto e passou a golpear esses internos. Essa informação coincide com a carta, a que a Ponte Jornalismo teve acesso, escrita no início da semana passada por um interno que diz que “bateram em nois com os cadiados de ferro (sic)”. Por fim, o jovem que teve o rosto exibido no começo da reportagem, contou que além da cadeirada, levou socos.
Na reportagem publicada pela Ponte Jornalismo na quarta-feira, o diretor regional da Fundação Casa, responsável pelo Complexo raposo Tavares, Guilherme Astolfi Caetano Nico, afirmou que os ferimentos tinham sido acidentais, porque os adolescentes atacaram os funcionários e virou uma pancadaria generalizada. “Algumas situações acontecem e no calor da emoção, algum jovem podem entender como agressão. Mas não foi o que ocorreu. Nenhum jovem teve fratura no braço, por exemplo”, disse.
De acordo com a Defensoria, que preferiu se pronunciar como órgão e não atribuir as opiniões à profissionais específicas, três dias antes da pancadaria no refeitório, um adolescente teve o dedo quebrado após ser agredido por um servidor. Na hora da refeição, um grupo de jovens foi tirar satisfação e cercou esse funcionário. Um bate-boca começou e rapidamente o reforço de segurança foi chamado.
As defensoras que foram fazer a visita contaram à Ponte Jornalismo que ouviram 24 adolescentes e que os relatos se repetem. Eles admitem que foram questionar o funcionário pela fratura no dedo do colega, mas afirmam que, quando a situação já estava controlada pela instituição, ainda apanharam.
A Defensoria Pública de São Paulo disse que o Complexo Raposo Tavares tem um histórico de violência e que a unidade Cedro é de adolescentes reincidentes – todos em terceira internação. Em julho de 2015, após denúncias de familiares à Corregedoria, a Defensoria entrou com pedido de medidas cautelares solicitando com urgência uma reestruturação na unidade, diminuição de número de internos por casa e substituição de alguns funcionários.
No dia 1º de agosto do ano passado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), atendeu ao pedido e cobrou que essas mudanças fossem realizadas. A situação melhorou bastante e até o início desse ano, os casos de agressão dentro do Complexo raposo Tavares tinham diminuído sensivelmente. Agora, voltaram a acontecer.
Para as defensoras que acompanham a situação do Complexo há mais de dois anos, o cenário da Cedro é de tensão permanente, as provocações são mútuas e o recurso da violência é comum e institucionalizado. “A gente ouve da boca do interno coisa do tipo: ‘Fui orientado fisicamente’, ou seja, o cara apanhou, mas ele não diz ‘apanhei’. Diz que foi orientado fisicamente, entende?”, disse uma delas.
Outro lado
Procurado pela reportagem, o diretor regional Guilherme Astolfi Caetano Nico reiterou a versão que já havia dito à Ponte Jornalismo, de que houve um confronto entre servidores e adolescentes. “Imagina você sendo agredido por 30 pessoas. Não vai reagir?”, questionou, se referindo ao servidor que teria sido cercado pelos adolescentes.
No entanto, à Defensoria os jovens disseram que cercaram o funcionário pra tirar satisfação, mas não iniciaram a agressão. O diretor disse, contudo, que na CAD – uma espécie de procedimento interno de apuração quando acontecem coisas desse tipo – os internos teriam admitido que estavam errados. “No calor da emoção, a linha entre abuso e defesa fica tênue”, disse.
Guilherme Nico afirmou que a Defensoria só ouviu os adolescentes e não participou da CAD – um procedimento que inclui apenas pessoas da Fundação Casa.