Maria Luiza Maia tem lúpus e o agravamento da doença acabou limitando os movimentos dela; torcedora foi empurrada contra portão por PM que a viu com máscara de Lula
Maria Luiza Maia decidiu ir ao Itaquerão assistir ao jogo Corinthians e Sport pelo Campeonato Brasileiro de futebol no domingo (16/9). Torcedora roxa do Leão (apelido do time pernambucano), ela leva consigo uma bandeira do clube por onde passa no mundo. O que seria uma diversão virou um risco de vida: portadora de lúpus, doença autoimune que se agravou e causou limitações motoras, Maria Luiza foi agredida por uma policial militar. O motivo? Ter uma máscara do ex-presidente Lula na bolsa.
Segundo a tradutora, ela havia passado em um ato que pedia a liberdade do ex-presidente antes de ir ao jogo. Lá, recebeu de uma prima do Recife a máscara e guardou aberta na bolsa para não amassar. Quando passou pela revista antes de entrar no estádio, a PM Mendes impediu sua entrada e se mostrou agressiva. Na sequência, aconteceu a agressão: a policial empurrou a mulher deficiente em direção a um portão.
“Ela estava rindo, só depois de ver a máscara fechou a cara, ficou com ódio. Ela puxou a bolsa, estava bem bruta. Viu a mascara e perguntou o que era, como se tivesse achado heroína. Perguntei se não podia e a PM tomou como ofensa, começou a me empurrar”, conta Maria Luiza à Ponte. “O ódio dela piorou quando me empurrou no portão e eu gritei que era deficiente. Isso piorou tudo”, continua.
De acordo com o artigo 13-A do Estatuto de Defesa do Torcedor (nº 10.671, de 2003), as pessoas não podem “portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo”. Os policiais utilizaram esta regra para impedir sua entrada com a máscara.
“Disseram que é regra do estatuto do torcedor, não pode usar máscara ou algo que cubra o corpo que impossibilite a identificação. Por mais que eu discorde, é uma regra. E até falei: ‘Sou leiga, não tenho obrigação de saber’. Era para a policial ter explicado e ter dito que eu jogaria fora a máscara”, conta Maria Luiza.
De acordo com a torcedora, uma outra mulher havia se recusado a jogar fora uma bandeira de partido político que levava ao entrar no estádio. Isto fez com que a PM ficasse mais nervosa ao ver a sua máscara. “Não precisava gritar, puxar, empurrar e bater com a cabeça de ninguém no portão de ferro. Não sou policial, não sou advogada, não sou obrigada a saber”, continua.
“Dado meu histórico de saúde e uso contínuo de anticoagulantes, uma pancada na cabeça representa pra mim risco de vida”, afirma Maria. O impacto causou um galo na cabeça da tradutora, além de ter ficado quatro dias de repouso em casa. Segundo ela, é procedimento padrão após traumas, como uma queda, para saber como o corpo reagirá. Nesse tempo, Maria Luiza não pôde fazer sessões de laser em suas feridas, processo iniciado pelos médicos antes da quimioterapia para entender qual seria a reação. Foram feitas duas das dez aplicações diárias, interrompidas após a agressão.
O diagnóstico
Maria Luiza teve diagnóstico de lúpus em 2008, quando fazia um doutorado em próteses dentárias na Suíça e dava aula como professora assistente na faculdade de odontologia de Genebra. Os sintomas começaram com dor nas mãos, que ela imaginava ser por conta do frio – ainda se adaptava ao país, estava lá havia apenas dois meses. Daí por diante, a condição de saúde só piorou com dores, sensação constante de fadiga e feridas pelo corpo e na boca.
Em 2011, Maria retornou ao Brasil porque não conseguia mais dar contra do trabalho e logo em seguida ficou temporariamente tetraplégica por conta do avançar da doença. Uma crise a fez ficar meses mexendo apenas a cabeça, de cama e com uma série de problemas: embolia pulmonar, comprometimento renal. A partir dali, sua tentativa era a de retomar os movimentos. Conseguiu melhora motora a ponto de andar com uma bengala. Em julho deste ano, ela começou a andar sem a bengala. Ainda assim, as sequelas motoras existem.
“As pessoas têm preconceito, acham que deficiente tem que ter o esteriótipo do deficiente”, conta. “Depois da cabo, veio um sargento dizendo que eu não era deficiente para ir ao jogo. Eu trabalhei nas paralimpíadas, deficiente não só vai a jogo como também joga. Esse sargento Mello veio me pedir desculpas na delegacia e fiz questão de lembrá-lo que ele ameaçou quebrar minhas pernas para ficar mesmo deficiente”, conta, sobre a agressão no Itaquerão.
Na volta ao Brasil, a intenção era trabalhar como dentista. O agravamento do lúpus frustrou os planos. Hoje, Maria Luiza estuda letras na USP (Universidade de São Paulo) com especialização em mandarim e trabalha com traduções, a maioria estudos científicos. Ao mesmo tempo, atua como colaboradora no Centro de Excelência para Implantes na USP, indo uma vez por semana.
“Sou especialista em prótese dentária, fiz doutorado em Genebra, mas não vale aqui no Brasil, aí me registrei como especialista. Pensei que conseguiria escolher os horários de trabalho, mas a gente não sabe o futuro. Chegando no Brasil, tive a crise grave e desde então estou tentando me recuperar das sequelas. Estudo letras porque tenho que manter a cabeça funcionado”, conta.
Consequência da agressão
Era tarde de quarta-feira (20/9) quando a doutoranda e letrista atendeu a Ponte. Maria Luiza conta que aquele era o momento em que começava a se sentir melhor desde a agressão, ocorrida na tarde do domingo (16/9). Outro efeito da agressão foi a impossibilidade de ir atrás de punição aos agressores.
Contudo, antes de conversar com advogados que ofereceram ajuda, Maria Luiza pretendia ir à farmácia. “Tenho minha vida e ela parou, não posso me dar esse luxo, é muito absurdo. Preciso ir até a farmácia, renovar minha receita, pois eu recebo os remédios em casa, e também para pegar um imunossupressor. Vou falar com os advogados, mas a prioridade é minha saúde, que ninguém resolve por mim. Eu que resolvo. Preciso estar bem para pegar um ônibus e ir na farmácia”, explica.
Um advogado acompanhou o caso envolvendo a torcedora do Sport com os policiais no Itaquerão e ofereceu suporte para denunciar a violência. Maria Luiza assinou um termo por desacato, alegação feita pelos policiais na delegacia. O plano dela é levar a violência, com exames do IML, para a Corregedoria da PM.
“A coisa certa é não deixar para lá. Fiz um post no Facebook e botei o nome dos PMs porque eles têm que ser ditos. Não tenho nada a esconder, nada que fugir, eles fizeram coisa errada e têm que responder. Não pode simplesmente dizer ‘elas resistiram’. Eu não estava com a outra moça e ela resistir não merece ser violentada. Eles disseram que desacatamos a autoridade, que agredimos os PMs. Como posso resistir à prisão se não resisti ao empurrão da PM?”, pergunta.
Questionadas sobre o caso, a SSP (Secretaria da Segurança Pública), através de sua assessoria de imprensa terceirizada, a InPress, explicou em nota que a investigação sobre o ocorrido no Itaquerão está à cargo do 65º DP (localizado em Artur Alvim) e que “todos os envolvidos na ocorrência serão convocados para prestarem depoimento”.
“A Polícia Militar esclarece que não compactua com desvios de conduta dos seus policiais e denúncias sobre a atuação de membros da corporação podem ser formalizadas na Corregedoria da PM, localizada na Rua Alfredo Maia, número 58, Luz. O setor para registro funciona 24h por dia”, finalizou a pasta.