“Claro que dentro da torcida também existe crime organizado, mas não acredito na força de mandar ou desmandar nelas”, diz Margarete Barreto, que está à frente da investigação sobre a suposta ligação entre a facção criminosa e uniformizadas
A delegada Margarete Barreto, da Delegacia de Polícia de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância Esportiva (Drade), comentou, em entrevista concedida ao Facebook da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), na tarde desta quinta-feira (8), sobre a investigação da Polícia Civil acerca de uma suposta ligação entre a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) e as torcidas organizadas dos quatro grandes times de São Paulo.
O Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil de São Paulo, anunciou, também nesta quinta-feira, que abriu um inquérito para apurar o caso. Em nota, a SSP afirma que os presidentes das torcidas envolvidas negam as suposições.
“Estamos trabalhando para descortinar isso. O que eu acho é assim: o estabelecimento do diálogo não tem nada a ver com o que se está tentando… até denegrir a imagem de um posicionamento de paz entre as torcidas. Existe crime organizado em várias organizações da sociedade. Claro que dentro da torcida também existe, mas não acredito na força de mandar ou desmandar nas torcidas”, afirmou a delegada Barreto, que tem longa experiência na Polícia Civil.
As principais torcidas organizadas dos quatro grandes clubes de São Paulo – Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo – procuraram a Polícia Civil na última terça-feira (6) para anunciar que selaram um pacto de paz com o objetivo de acabar com a violência no futebol. Os líderes das uniformizadas disseram que já conversavam há três meses sobre o acordo e que, após a tragédia com o avião da Chapecoense, decidiram firmar a paz entre todos os que frequentam as arquibancadas.
“Eles sinalizaram que querem voltar a assistir partidas de futebol, querem estar no espetáculo, querem fazer a festa. Isso é um início de tratativas. A única coisa que eu fiz foi abrir uma porta para que eles falassem e colocassem o plano de paz que eles têm”, disse. “As prisões não vão parar porque eles estão tentando fazer tratativas de paz. As prisões de pessoas que cometeram crimes continuam. Nós não estamos dando uma água para a criminalidade. Muito pelo contrário”, explicou a delegada do Drade.
Segundo ela, um dia antes da reunião entre as uniformizadas e a Polícia Civil, ou seja, na segunda-feira (5), a Drade cumpriu dois mandados de prisão preventiva. “Os crimes serão investigados com maior rigor ainda. Porque existe a credibilidade do departamento que não pode ser alcançada com uma conversa dessa”, complementou.
De acordo com Elisabete Sato, diretora do DHPP, os presidentes das quatro grandes torcidas afirmaram querer o fim da intolerância no futebol. Por isso, ofereceram um pacto, com o slogan “mais festa, nenhuma violência”, para que eles possam assistir aos clássicos com as torcidas rivais no estádio. Até a quarta-feira (7), Sato negava que a polícia investigaria a ligação entre o PCC e as uniformizadas.
Desde abril deste ano, os clássicos ocorridos em São Paulo tiveram torcida única. A medida havia sido pedida pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) à Federação Paulista de Futebol (FPF) e foi anunciada com aval da Secretaria de Segurança Pública após a morte de um torcedor em São Miguel Paulista, na Zona Leste, depois de um jogo entre Palmeiras e Corinthians válido pelo Campeonato Paulista de 2016.
No último sábado (4), as quatro torcidas dos clubes de São Paulo se uniram, em frente ao estádio do Pacaembu, em solidariedade às vítimas da tragédia que matou 71 pessoas em um voo que levava a equipe da Chapecoense a Medellín, na Colômbia. Para a Polícia Civil, há a hipótese de que as organizadas estejam aproveitando a onda de “fair play” para terem um voto de confiança da sociedade e dos órgãos de segurança pública.
Desde a última segunda-feira (5), quatro áudios supostamente de conversas entre integrantes das torcidas circulam por grupos de Whatsapp, incluindo os restritos a policiais. Os rapazes afirmam terem recebido ameaças do crime organizado caso haja brigas e mortes entre torcidas.
Um investigador do DHPP, da Polícia Civil, que pediu para não ser identificado, confirmou à Ponte Jornalismo a veracidade dos áudios. “O PCC deu a ordem para acabar com as brigas. O que a gente investiga é qual o interesse que a facção tem com isso, ou seja, no que estaria interferindo as brigas com o negócio do PCC”, disse. “A Polícia Civil identificou como reais as conversas. Mas detalhes podem atrapalhar investigações maiores”, complementou.
Confira o que dizem os áudios que seriam de quatro representantes de torcidas organizadas:
“Quem deu o salve foi o maninho Marcola. Acabou a briga, mano. Acabou a guerra de torcida. Se tiver… Quem vai [morrer] é os líderes (sic) aí, ó! Os caras da [Zona] Norte tavam falando aí. Acabou, mano. E, se matar, quem vai morrer é os líderes (sic)”.
“Tô vindo da subsede agora. Os caras pediram uma reunião, né?! Esses bagulhos de torcida aí… Segundo eles, se reuniram com a ND lá, né, o Baby, o Batata, o Negão, e receberam ordem do Marcola… De que não é pra ter briga nenhuma de torcida. Nem morte, nem briga, nem nada. (…) O cara que brigar, vai apanhar; e o cara que matar, vai morrer. É ordem do PCC, entendeu? As quatro torcidas de São Paulo. Interior… Onde for, não pode ter briga, nem morte, nem nada. Ordem do Marcola. O bicho vai pegar, hein?!”
“Acabou. Acabou, irmão. Pelo o que eu fiquei sabendo aí, a ideia é quente. Acabou as ideia (sic) de briga. Quem arrumar confusão aí, vai azedar. É sério mesmo. Tô sabendo aí. Tá todo mundo já falando essa caminhada aí. Entendeu? Azedou o molho”.
“O bagulho acabou as brigas, parceiro. É nós que é a frente do barato (sic), devido a [Zona] Norte aí, vai fazer a reunião. Isso cabe para todas as quebradas. Não tô brincando. É referente o comando. Pôs a pedra em cima do bagulho, tá ligado? (…) Se brigou na Zona Norte, vai berrar pra nós que é liderança (sic). Certo? Matou um moleque que é inimigo, nós vai morrer também (sic), tio. Tá vendo esses bagulhos no estádio, todo mundo junto? Quando eu vi isso, eu pulei fora. Acabou. Não tem mais briga, não vai ter. Quem tiver, segura o bagulho. Infelizmente, aconteceu o que não era pra acontecer. Se ver os inimigos, se marcar, tem que ir pro jogo até junto, que nem tá aí, ó. Eu mesmo, pra mim, não posso ficar nessa fita, não, porque é o seguinte: o barato é torcida uniformizada. Já que acabou, acabou. Tô fora”.
A divulgação da suspeita por meios de comunicação e a investigação da Polícia Civil sobre o assunto fez a torcida Gaviões da Fiel divulgar uma nota, na tarde desta quinta-feira (8), em que afirma: “Qualquer associação das recentes ações em prol da paz nos estádios com ‘mandos criminosos’ não passam de uma desleal tentativa de desmoralizar o que estamos nos esforçando para fortalecer entre as torcidas organizadas do nosso Estado”.
De acordo com a nota oficial da principal torcida organizada do Corinthians, “os diretores de diferentes torcidas já mantêm amplo e direto diálogo, tanto entre si quanto com autoridades e Poder Público, com o intuito de não apenas diminuir casos de violência, como também resgatar a verdadeira festa nos estádios”.