Delegado-geral de SP regula uso de redes sociais de policiais civis

Duas portarias assinadas por Artur Dian no Diário Oficial desta quarta (23/8) disciplinam como policiais devem ser portar em entrevistas e impede que eles publiquem qualquer material relacionado à corporação em perfis pessoais

Fachada do Edifício Palácio da Polícia Civil, no centro histórico de SP | Foto: Divulgação/PCSP

O delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Artur José Dian, publicou duas portarias, nesta quarta-feira (23/8), que disciplinam o comportamento de policiais civis em entrevistas e em redes sociais.

A primeira, de nº 18, reedita uma portaria de 1997 que já estabelecia que pessoas sob a custódia da Polícia Civil não podem ter imagens divulgadas nem serem entrevistadas sem consentimento prévio delas e formalizado por escrito — algo que, na prática, não vem sendo seguido.

Além de manter esse dispositivo, o novo texto prevê que a pessoa detida ou presa não pode ser constrangida nem forçada a expor partes do corpo para “curiosidade pública”. A norma sobre captação de imagem, se feita por terceiros “à revelia do policial”, não se aplica se for “em local de acesso público, ou a excepcional e motivada exibição da imagem de investigado ou foragido, galgada unicamente no interesse da justiça em esclarecer infração penal ou capturar pessoa procurada”.

O texto também determina que o policial civil, em entrevistas, não pode:

  • atribuir culpa ao detido antes da conclusão do inquérito;
  • divulgar informações sensíveis da investigação em curso, a menos que “não causem prejuízo ao seu desfecho ou não afetem a honra ou a imagem das pessoas implicadas”;
  • prestar informações estratégicas sobre as técnicas de investigação;
  • divulgar fatos ou informações que possam “induzir a prática de infração penal ou a justificação e aceitação de qualquer tipo de violência ou ato de intolerância”;
  • fazer comentário de assunto político-partidário no exercício das funções;
  • manifestar-se oficialmente em nome da corporação sem ter sido autorizado;
  • fazer comentários “depreciativos que possam desacreditar instituição policial, autoridade ou atos da administração pública, bem como, manifestar-se sobre assunto estranho às suas atribuições”;
  • publicizar temas que tenham o sigilo decretado;

A portaria indica que o policial civil pode expressar “opinião educativa, jurídica ou acadêmica” desde que observadas as disposições anteriores. Vale destacar que a Lei Orgânica da Polícia Civil de São Paulo permite que policiais da ativa apenas podem exercer atividades relacionadas “ao ensino e à difusão cultural” durante a folga, como ser professor, por exemplo.

Caso a pessoa investigada for integrante da Polícia Civil, o texto estabelece que a divulgação de informações sobre o caso fica a cargo da corregedoria da corporação.

A norma ainda define que os delegados diretores de departamentos e delegacias seccionais “deverão designar um Delegado de Polícia para exercer função específica de coordenação das atividades de comunicação social”, que poderão assessorar delegados para agendar entrevistas, organizar e produzir notas e notícias da corporação e auxiliar as delegacias.

Contudo, a própria Secretaria de Segurança Pública tem contrato com a empresa Fator F Inteligência em Comunicação Ltda. para fazer o trabalho de comunicação exclusivamente da pasta desde 2022. O contrato foi prorrogado em julho deste ano, com vigência até novembro de 2024, ao custo total de R$ 6.273.827,70, conforme é possível consultar aqui.

Beatriz Graeff, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, entende que a portaria visa se adequar à Lei de Abuso de Autoridade, de 2019, e que essa função de coordenador de atividades de comunicação social parece ter o intuito de “criar uma cadeia de comando para informações e autorizações”.

A outra portaria, de nº 19, disciplina o uso de redes sociais por integrantes da Polícia Civil e revoga uma publicada em 2020. Na época, a norma chegou a ficar suspensa porque sindicatos de policiais civis entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) contra a portaria 29, cujo teor é semelhante à portaria deste ano. As entidades alegaram que o texto legislava sobre funções e que determinava penalidades (embora não tivesse redação expressa de punições), algo que só uma lei poderia fazer e não uma norma administrativa.

Em 2022, o Órgão Especial do TJ extinguiu o processo sem avaliar as reivindicações ao argumentar que uma ADI não seria o instrumento correto para contestar atos normativos de “caráter meramente regulamentar”.

As regras, neste caso, não se aplicam aos policiais civis que estejam “no exercício de mandato eletivo ou à frente de entidade sindical ou associação de classe” e que se expressem nas redes sociais “visando a representação da população, de associado, sindicalizado, policial civil ou da própria instituição”.

O delegado-geral veda o policial civil de:

  • criar conta em rede social com e-mail da institucional;
  • usar “em postagens ou interações sociais símbolos, armas ou equipamentos oficiais para auferir vantagens comerciais, financeiras ou outras indevidas”;
  • usar elementos que indiquem que o perfil pessoal é oficial da corporação;
  • manifestar-se de maneira que sua opinião pareça ser a da instituição;
  • “publicar ou compartilhar conteúdos falsos, intolerantes, discriminatórios, preconceituosos ou atentatórios contra qualquer valor constitucional ou em desfavor da privacidade ou dignidade de pessoa implicada em investigação”;
  • “publicar ou compartilhar dados, imagens, áudios, vídeos, conteúdos sensíveis, documentos, tecnologias ou informações de conhecimento ainda não público, auferidos no exercício da função, salvo os já difundidos pela Secretaria da Segurança Pública ou pela Polícia Civil em seus sítios ou perfis oficiais, ofertando, nesse caso, os devidos créditos”;
  • “publicar ou compartilhar imagens, áudios, vídeos ou manifestações de caráter pessoal que, mesmo relacionadas a fato estranho ao serviço policial, afetem a dignidade da função e possam, ainda que em tese, configurar ilícito penal ou administrativo”;
  • publicar ou compartilhar imagem de operação policial, “salvo se autorizado pela sua hierarquia ou após divulgação da mesma pelo sítio ou perfil oficial da Secretaria da Segurança Pública ou da Polícia Civil, ofertando, nesse caso, os devidos créditos”;
  • “revelar, salvo de maneira instrutiva e previamente autorizada, dados ou informações sobre planta; acervo bélico ou equipamento estratégico de órgão ou unidade policial”;
  • “discorrer sobre doutrina ou procedimento operacional e investigativo utilizado pela Polícia Civil, salvo se o teor for essencialmente educativo, jurídico ou acadêmico e o tema enfrentado não possuir reserva de sigilo”;
  • divulgar informações em segredo relativas à atividade de operação, diligência ou investigação policial.

O texto determina que o policial civil não tenha redes sociais com a finalidade de obter “reconhecimento social que vise, exclusivamente, auferir promoção de natureza pessoal”. O texto define que o agente público mantenha o “decoro da função policial” mesmo na vida privada e que ajuste os filtros de segurança das redes sociais para não expor a si nem a seus familiares.

Aqueles que estiverem com os perfis em descordo com a portaria terão 30 dias para adaptar suas redes sociais a partir da publicação do texto.

O novo texto, para Beatriz Graeff, “suavizou” o de 2020. “Em relação à norma anterior, deixou de vedar duas coisas importantes: que é o uso do nome da instituição ou do cargo que ele ocupa (delegado, investigador) na identificação pessoal, no nome de usuário”, explica.

O segundo ponto, analisa a pesquisadora, é de que portaria não permite o uso de “símbolos, armas ou equipamentos oficiais” atrelado apenas à vantagens comerciais e financeiras, e não de forma irrestrita. “As vantagens financeiras e comerciais eventualmente são mais fáceis de se caracterizar, caso o perfil dele [do policial] esteja vendendo algum produto, algum serviço ou monetizando [conteúdo]. Mas podemos pensar em outras vantagens indevidas, por exemplo, a exposição com ambições políticas. A gente tem visto com bastante frequência a candidatura e eleição de policiais que se projetaram pelas redes sociais”, afirma.

Outro problema, segundo ela, é que as regras não se aplicam a policiais em cargos eletivos. “Ele pode não estar fazendo a operação [policial], mas ele também não pode divulgar esse conteúdo. Se o da ativa não pode, ele [policial eleito] não pode atuar como portador de uma mensagem institucional. Esse é um buraco muito complicado da regulamentação”, critica. “Em nenhuma hipótese publicamente eles poderiam se apresentar paramentados e identificados como parte da instituição.”

Nas duas novas portarias, não existem indicação de sanções ou punições em caso de descumprimento, assim como na diretriz PM3-006/02/21, que visa coibir atuação de policiais militares influencers, mas que na prática não se efetivou em São Paulo, como a Ponte mostrou.

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Graeff indica que essa “é uma fragilidade” que dá “margem gigantesca sobre quem está avaliando se a conduta é devida ou indevida”. Para ela, um dos problemas em ambas as normas é “o nível de discricionariedade” do agente que vai analisar cada caso e falta de proatividade de aplicação das regras. “Tanto em relação à norma da PM quanto a da Civil de 2020, a sensação é de que surtiu muito pouco efeito, exceto quando você tem um caso como o do Delegado da Cunha, que sai da curva e eu vejo esse acompanhamento ativo”, avalia.

O que diz o governo

A Ponte solicitou entrevista com o delegado-geral Artur Dian via Secretaria da Segurança Pública, mas a Fator F, assessoria terceirizada da pasta, enviou a seguinte nota, sendo que a reportagem não fez perguntas específicas pelo e-mail:

A Polícia Civil informa que a Portaria DGP 18, de 22 de agosto de 2023 apenas foi readequada às normas da legislação vigente.

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