Delegado reclama de abordagem de PMs: ‘precisam aprender pra estar nos Jardins’

    Abordagem em bairro rico terminou em bate-boca entre policiais e deputado Delegado Olim (PP)

    Delegado Olim em ato solene em Homenagem à Aviação Policial Paulista, na Alesp, em agosto de 2019 | Foto: reprodução Instagram

    Uma abordagem policial terminou em bate-boca envolvendo o delegado Antonio Assunção de Olim, o Delegado Olim, deputado estadual pelo PP, e um grupo de policiais militares na noite de sexta-feira (17/4), no Jardim Paulista, bairro rico da zona sul da cidade de São Paulo. A discussão se estendeu e foi parar em grupos de policiais no WhatsApp.

    Segundo um áudio obtido que circulou nesses grupos, atribuído a policiais da 2ª companhia do 23º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, os PMs se depararam com um carro Volkswagen T-Cross sem placa, que cortava o sinal vermelho e andava em zigue-zague na avenida.

    “Infelizmente alguns de nós, policiais militares, acredita em alguns candidatos que se identificam como amigos da polícia. Se elegem muitas vezes, em grande maioria, através dos nossos votos e das nossas famílias”, disse o PM no início do áudio.

    Leia também: Responda à pesquisa Jornalismo e coronavírus

    Os PMs afirmam que o delegado, quando abordado, não quis se identificar e abriu somente uma fresta do vidro, mostrando uma “carteira vermelha” e seguindo o caminho dele. Nesse momento, Olim teria xingado e ofendido os PMs, que pediram apoio. Já na avenida Brasil, no Jardim Paulista, cerca de 15 viaturas chegaram para reforçar a ação.

    “Nem um ladrão, dos mais embaçado, teria feito o que esse cara fez, tratar a polícia com tanto desrespeito que ele tratou. Ele ofendeu a Polícia Militar de todas as maneiras”, afirmou o PM.

    Em outro áudio obtido pela reportagem, o Delegado Olim se defendeu das acusações. “Irmão, primeiramente manda para esses mentirosos que estão falando isso porque não foi nada disso”, diz no início do áudio.

    Na sequência, o deputado narra a sua versão da história. Olim estava retornando do supermercado com a família em seu carro, recém comprado, e andava pela faixa de ônibus, já que pelo horário era permitido. Por se tratar de um veículo novo e o Detran (Departamento Estadual de Trânsito) estar fechado em decorrência da quarentena contra o coronavírus, ele ainda não colocou placa em seu carro.

    “Quando eu vi a Polícia Militar vindo atrás eu encostei, porque eu ia falar com eles. Eles deram uma ‘sirenada’ e eu coloquei a cabeça para fora e falei ‘sou delegado de polícia’. Eu coloquei a cabeça pra fora e falei que era delegado, e ele continuou ‘desce do carro’, com aquele esquema da polícia, que até está na razão na abordagem”, narra o delegado no áudio.

    “Eu peguei e mostrei uma carteira vermelha e ele queria que eu descesse para me esculachar na frente de todo mundo. Eu desci do carro e ele desceu com a arma na mão. Eu fui lá, me identifiquei e falei pra gente conversar. Ele continuou, dois recrutas. Eu peguei e fui embora, andei para sair daquele aglomerado. Aí ele chamou 40 viaturas da Polícia Militar”, continua.

    Leia também: Conheça a associação de PMs que promete livrar policiais que matam civis em SP

    Na gravação, Olim lembra que não desrespeita a Polícia Militar e os PMs que votam nele sabem disso. “Dois recrutinhas que precisam aprender muito para estar nos Jardins, que precisam aprender muito para trabalhar na rua. Primeiro precisam aprender a tratar as pessoas”, esbraveja.

    O deputado Olim conversou com a Ponte e reforçou a versão contada no áudio recebido pela reportagem, que estava voltando do supermercado, parou quando viu a viatura e que não ofendeu os policiais. O delegado também contou que os dois PMs já chegaram apontando as armas para ele e que ficou chocado de ver 40 viaturas sendo chamadas para reforçar a abordagem.

    “Eu encostei o carro e desci, perguntei ‘o que que é, vocês querem me esculachar?’. Nisso teve um bate bota e eu me identifiquei como deputado. São novatos, não sabem que não podem abordar ninguém assim nesse lugar”. Após uma pausa, acrescentou: “…e em lugar nenhum”.

    A reportagem também procurou a 2ª companhia do 23º BPM/M, que não quis comentar o assunto, mas confirmou que a ação aconteceu.

    Leia também: Um deputado exige mais chacinas em SP: ‘dez mortos’ para cada morte de PM

    Em 2017, o tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, comandante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa de elite da PM paulista, disse ao Uol que os PMs usam formas diferentes de abordar e falar com os moradores de regiões ricas e periféricas.

    “É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado”, disse.

    “Da mesma forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui no Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando”, complementou. “O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está naquele momento”, argumentou Mello Araújo.

    Delegado Olim é advogado, delegado da Polícia Civil de São Paulo e político. Trabalhou em diversos setores da polícia, desde delegacias territoriais até departamentos especializados como Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos) e DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa).

    Olim foi delegado no caso da morte da advogada Mércia Nakashima, assassinada em 2010, e sua investigação foi fundamental para resolução do caso. Desde 2014 ocupa uma cadeira como deputado estadual na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas