Movimento em que suspeito milita afirma que uma comissão apura o caso de forma independente
A professora de sociologia Luiza Oliveira, 28 anos, usou as redes sociais nesta semana para dizer que foi estuprada, em 14 de outubro do ano passado, por um militante do Movimento Mais, corrente interna do PSOL.
Luiza, que mora em Brasília, afirma ter sido estuprada em São Paulo depois de ter vindo passar alguns dias na casa de um amigo para tentar superar a depressão que passou depois do fim de um relacionamento.
No penúltimo dia que estava na capital paulista, a professora diz que tomou muita bebida alcoólica durante o dia, enquanto seu amigo (dono da casa) e um outro homem que morava na mesma residência participavam de reunião política.
À época, o Mais havia acabado de nascer como uma dissidência do PSTU e ainda não integrava nenhum partido político. Dez meses depois, em agosto deste ano, o movimento passou a integrar o PSOL.
Luiza relata que, durante a noite daquele penúltimo dia em São Paulo, quando os homens voltaram da reunião, os três ainda foram em bares e, quando voltaram para casa, ela estava “completamente embriagada”.
A professora afirma que, quando já estava bêbada, o homem começou a assediá-la.
“O cara que morava com meu amigo insistiu pra ficar comigo. Disse que não, duas vezes. Não tive o direito de decidir. Sem que eu tenha memória ou consciência do que se passou, acordei no seu quarto”, disse em publicação no Facebook.
Na postagem, Luiza ainda colocou fotos do boletim de ocorrência, registrado na 1ª Delegacia de Defesa da Mulher (Centro), em 14 de julho deste ano, e de um documento intitulado como “relatório médico”.
No relatório consta que a concentração de álcool no sangue de Luiza naquela noite era “capaz de evidenciar os impactos da embriaguez sobre as capacidades funcionais da vítima”.
O texto ainda aponta indícios suficientes para caracterizar o crime sexual como “estupro de vulnerável”. Luiza diz que “como muitas mulheres, não reconheci logo que foi estupro”, por isso demorou para denunciar o caso.
A professora afirma que, “depois de meses pra conseguir reerguer dos danos psicológicos”, formulou as denúncias na Delegacia da Mulher, no PSOL e no Mais.
“Apesar de se dizerem feministas, eles inocentaram o cara e desconsideraram os elementos apresentados (prints, áudios, extratos bancários, laudo médico)”, diz sobre as respostas que teria recebido do partido e do movimento.
Segundo ela, que também é filiada do PSOL, o denunciado continua integrando normalmente o partido.
“Espero que ele seja expulso do partido e seja responsabilizado pela justiça. Espero também que todas as pessoas que cometeram violência verbal e psicológica, calúnia e difamação, acobertamento do estupro, sejam punidas pelo partido. Que o Mais se retrate publicamente e que nunca mais faça isso com outras mulheres”, afirma a professora à Ponte.
Luiza ainda diz que o movimento aceitou a proposta feita por ela de formar uma comissão com diversas organizações para emitir um parecer que será respeitado pelo Mais.
Outro lado
Em nota publicada na última terça-feira (26/09) (leia a íntegra aqui), o Mais disse ter a “intenção de que a verdade venha à tona, por isso propusemos para a própria Luiza formar uma Comissão do Movimento que apure de forma independente”.
A nota ainda diz que “nenhuma das testemunhas confirma a versão de Luiza de que ela estava embriagada a ponto de perder o controle sobre seu corpo e suas decisões”. Segundo o movimento, “essas pessoas estavam presentes no bar e na casa onde o fato ocorreu, estão entre elas três mulheres (sendo uma delas negra) e um homossexual, todos conscientes e sensíveis ao debate de opressões”.
De acordo com o Mais, houve “uma mudança drástica na versão dos fatos” por parte da professora.
O movimento ainda destaca que seria “um grave erro pensar que apenas a apuração interna do Mais é suficiente”. E afirmou ser “necessário e educativo que uma comissão independente apure profundamente o caso para que não reste nenhuma dúvida”
Atualizado dia 29/09, às 13h28 – Procurada pela reportagem às 21h de quinta-feira (28/09), o PSOL respondeu, às 9h30 desta sexta-feira (29/09), dizendo considerar “lamentável e um equívoco” o tempo que a Ponte deu entre a solicitação de posicionamento do partido e a publicação da reportagem.
Quanto aos questionamentos da Ponte, o PSOL disse que, tanto partido como o Setorial Nacional de Mulheres se solidarizam com a Luiza.
“Compreendemos o quanto é difícil reconhecer-se como vítima de violência e abuso e, principalmente, levar adiante a denúncia deste tipo de violência”, respondeu a assessoria do PSOL à Ponte, que ainda disse que mantém contato permanente com a professora.
O partido diz que foi afetado com a notícia denunciando um de seus filiados e que, desde quando o soube da denúncia, formou uma comissão de mulheres com representantes de diversos agrupamentos do PSOL e do Movimento Mais.
O partido ainda afirma que foi convocada uma reunião organizada por mulheres do PSOL, que deve acontecer no Distrito Federal na semana que vem, para “debater o caso e acolher Luiza”.
“Além disso, ela foi aconselhada a enviar uma denúncia formal para a Comissão Nacional de Ética do partido, instância responsável pela apuração”.
O PSOL ainda diz que, durante o último congresso do partido, foi aprovada uma resolução orientando o tratamento de casos de violência contra a mulher pela Comissão de Ética.
Segundo o partido, “entre os indicativos, estão a celeridade na apuração e a possibilidade de afastamento imediato do filiado acusado durante o decorrer do processo, além de elencar punições para os considerados culpados, sendo a máxima a expulsão do partido”.
Quanto à aceitação do Movimento Mais no PSOL após a ocorrência denunciada, a assessoria do partido afirma que “o Mais não é, ainda, uma corrente de nosso partido”.
“O que houve foi uma indicação da Executiva Nacional do PSOL para que o nosso próximo congresso, a ser realizado em dezembro deste ano, aprove a entrada do agrupamento. À época dessa decisão, em agosto, não tínhamos conhecimento da denúncia e não havia nenhum debate público sobre ela”.
O partido confirma a filiação do denunciado ao PSOL, e explica que ele “havia sido militante do PSOL há alguns anos, antes de romper para ir ao PSTU, partido do qual o Mais se originou. Por não ter concluído os trâmites burocráticos de desfiliação, permaneceu filiado ao nosso partido no âmbito da Justiça Eleitoral”.
E respondeu ainda que o suspeito “não ocupa nenhum cargo e, hoje, sequer pode ser considerado de fato militante de nosso partido, já que, como dissemos, o Mais não é uma corrente do PSOL até que o nosso partido aceite por completo essa entrada”.
Além de responder aos questionamentos, enviou esta nota.
A Ponte também entrou em contato com a SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo) disse que “o caso citado pela reportagem foi registrado no dia 14 de julho deste ano como estupro de vulnerável”. Além disso, a pasta afirma que foi instaurado um inquérito policial para apurar o caso, que segue em investigação.