Estado brasileiro mantém 0,5% de sua população encarcerada, mas não sabe o que fazer com quem deixa as prisões; série semanal conta como oito ex-detentos lidaram com sua vida após a prisão
Embora seja responsável pela terceira maior população carcerária do mundo, o Brasil não sabe o que fazer com as centenas de milhares de vidas que manda para o cárcere. Com a intenção de estimular esse debate e a busca de soluções para a situação dos ex-detentos, a Ponte Jornalismo preparou ao longo de dois anos a série documental Depois das Grades, que vai contar a vida de oito dessas pessoas.
A série estreia nesta terça-feira (14/12), em um site desenvolvido pela Ponte e no Yahoo Notícias. Dividida em oito reportagens e sete minidocs, a série mostra os efeitos do aprisionamento em oito vidas, pessoas de perfis variados de raça, classe e gênero, e conta as suas dificuldades que enfrentam para buscar se reintegrar à sociedade, sem qualquer apoio do Estado que um dia os encarcerou. A cada terça-feira, um novo capítulo.
A quantidade de pessoas presas no Brasil é um dado que varia segundo as fontes disponíveis — pode ser de 773 mil, segundo o Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça, ou de 812 mil, conforme o Conselho Nacional de Justiça —, mas em todas se mostra gigantesco: é o equivalente a 0,5% da população brasileira maior de 18 anos.
Para Antonio Junião, diretor de arte e projetos especiais da Ponte, que coordenou a produção da série, a experiência “foi uma oportunidade de mergulhar a fundo na vida de pessoas que passaram por um dos sistemas mais antigos, desiguais e violentos ainda presentes de nossa sociedade que se pretende moderna: o cárcere”. Segundo ele, mostrar a vida após o cárcere permite “desconstruir esse imaginário racista, misógino e punitivista alimentado pelo Estado, que tem no encarceramento em massa e na guerra às drogas a solução para manter a pirâmide social às custas do silenciamento dos sonhos e esperanças das populações mais vulneráveis”.
Responsável pela produção audiovisual de Depois das Grades, o cineasta Anderson Jesus, fundador da produtora Iracema Rosa e do portal Todos os Negros do Mundo, disse que a série lhe trouxe “um grande aprendizado” ao lhe permitir conhecer ex-detentos que, em diversas ocasiões, haviam passado por experiências que o fizeram lembrar da sua própria vivência de menino negro nascido na periferia. “Eu sabia do impacto das questões sociais nas vidas de pessoas pretas e a relação que isso tinha com a criminalidade, a ação da polícia e o encarceramento em massa, mas nunca tinha visto de dentro. Pela primeira vez eu pensei que poderia ter sido eu. Eu tive oportunidades para entrar na criminalidade e não faltou vontade, pela falta de condições que a gente vivia. Vendo as vidas que elas levam, me identifiquei muito”, revela.
Para a jornalista Claudia Belfort, cofundadora da Ponte e autora das reportagens, as histórias da série mostram que “vale a pena lutar por um mundo com mais livros e menos armas, mais educação e conciliação e menos polícias, mais oportunidades e menos presídios, mais igualdade e menos concentração de renda”. Além disso, as vidas retratadas “mostram também que o ser humano é luz, para a maioria só precisamos abrir as portas e deixá-la brilhar”. E acrescenta: “Poucos, como Bolsonaro, escolhem viver na escuridão”.
Depois das Grades
Série original – Ponte Jornalismo
Produção Executiva – Iracema Rosa Filmes
Produção Geral – Ponte Jornalismo e TNM – Todos Negros do Mundo
Coordenação Geral de Projeto – Antonio Junião
Coordenação editorial – Fausto Salvadori
Produtor executivo/diretor – Anderson Jesus
Produtora executiva/ assistente de direção – Nidia Gabrielle
Reportagem e Pesquisa – Claudia Belfort
Foto – Daniel Arroyo