Defesa de policiais alegou falta de testemunhas e não ter tido tempo de analisar uma das provas da acusação. ‘Negão da Madeira’ havia sido condenado a 24 anos de prisão em 2019 pela morte de Gabriel Paiva, de 16 anos
O novo julgamento dos policiais militares Jefferson Alves de Souza e Thiago Quintino Meche, que seria realizado na tarde desta quinta-feira (9/6), foi remarcado para o dia 23 de agosto. Seria a segunda vez que os réus passariam pelo crivo do júri, já que o primeiro parecer, que condenou Souza a 24 anos e seis meses de prisão e absolveu Meche, foi anulado, em agosto de 2020, devido a uma falha na gravação do depoimento de uma das testemunhas.
A dupla é acusada do assassinato de Gabriel Paiva, morto em abril de 2017, quando tinha 16 anos de idade, após ser espancado com um pedaço de pau. Moradores do Jardim Domitila, região de Cidade Ademar, zona sul da cidade de São Paulo, afirmam que era comum a rotina de violência por parte de Jerfferson Alves, tanto que ele era conhecido como Negão da Madeira, devido às constantes surras que dava com o objeto em pessoas do local.
Nesta quinta-feira (9), o juiz Vinícius Câmara Campos Bernardes Siqueira liberou os jurados do Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da cidade de São Paulo, após a alegação da defesa de Jefferson que solicitou que todas as testemunhas do primeiro julgamento fossem ouvidas mais uma vez. Das sete pessoas arroladas no processo, duas não foram localizadas para receber a intimação judicial.
Os advogados Alex Sandro Ochsendorf e Renan de Lima Claro recorreram ao artigo 422 do Código de Processo Penal que diz que “o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de cinco dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência”.
“A gente pediu para ser aplicada a lei, porque o Tribunal de Justiça anulou o júri anterior. O juiz de hoje iria ouvir só algumas testemunhas do julgamento anterior e outras que teriam faltado, quando o certo seria arrolar todas as testemunhas que tanto defesa, quanto acusação, tivessem pedido. A gente acha essencial ouvir todas as pessoas”, informou o advogado Alex Sandro Ochsendorf do lado de fora do plenário.
Outro fator alegado pela defesa para que o julgamento fosse adiado para agosto foi a inclusão de um vídeo de uma reportagem de TV onde um policial aparece espancando uma pessoa na rua como prova de acusação pela promotoria. Ochsendorf afirma que não teve tempo hábil para que ele e sua equipe fizessem uma análise e perícia no material.
“O vídeo é de 2017 e até hoje não tinha sido anexado aos autos. Foi juntado de última hora e por isso não tivemos tempo de fazer uma verificação de autenticidade para saber o dia, o local e saber do que se tratam as imagens. É uma prova que não ficou disponível para o contraditório”, destacou o advogado de defesa de Jefferson Alves, que também pediu a soltura do seu cliente, que está há cinco anos preso. A solicitação foi negada pelo juiz.
Para o promotor do Ministério Público de São Paulo, Neudival Mascarenhas Filho, responsável pela acusação no caso, o pedido de adiamento do júri foi mais uma manobra da defesa para ganhar retardar a condenação definitiva dos policiais. “Eu queria fazer esse júri hoje, a prova que está no processo é para condenação. A defesa está fazendo isso para adiar o inevitável”, afirmou o promotor.
Julgamento surpresa
Mesmo passados quase dois anos da anulação do júri que condenou um dos policiais envolvidos na morte de seu filho, até a semana passada Zilda Regina de Paiva, mãe de Gabriel, não sabia que os acusados seriam julgados novamente. A família soube da nova data após procurar a Justiça para fazer a exumação do corpo.
“Eu achei que tudo já tinha se resolvido e de repente a gente se vê passando por tudo isso mais uma vez. A gente estava sem advogado e agora estamos correndo atrás para arrumar um assistente de acusação. É como se meu filho estivesse sendo vítima mais uma vez da Justiça”, desabafou Zilda nos corredores do Fórum da Barra Funda.
Tatiane Godoy, prima de Gabriel, conta que amigos e parentes do rapaz ficaram revoltados ao saber que o primeiro julgamento, que condenou o policial Jefferson Alves, não valeu de nada. Para ela, o sentimento de impunidade e incredulidade no sistema de justiça só aumentou.
“Isso é um absurdo. Um réu condenado por um júri em unanimidade, com todas as provas contra o crime cometido, com declarações de testemunhas, conseguir o direito de recorrer e ganhar a apelação para um novo júri. Infelizmente são as leis. Não sei se fosse ao contrário, e tivéssemos perdido naquele primeiro julgamento, estaríamos tendo uma nova chance de provar que esse crime aconteceu para a justiça”, relatou.
Sabendo que mais uma vez o júri foi remarcado, Zilda Paiva afirma que temores que ela acreditava terem passado, retornam. Segundo ela, o fato de existir a possibilidade de o PM ser absolvido gera bastante aflição entre seus familiares. “O que nós queremos é que ele continue preso. Temos medo que ele saia da cadeia porque não sabemos o que ele pode fazer conosco.”
A prima de Gabriel diz que não era à toa que Jefferson era conhecido como Negão da Madeira, pois a fama de truculência dele era conhecido por toda a comunidade. “Ela só parou de agredir os garotos do bairro quando matou o Gabriel. Se meu primo não tivesse morrido, ele estaria até hoje espalhando terror por lá.”
A reportagem da Ponte solicitou a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça uma resposta sobre o erro de gravação que motivou o pedido de anulação do primeiro júri do caso de Gabriel Paiva. Até a publicação deste o texto o TJSP não havia se pronunciado.