Com base em reportagens da Ponte, Eduardo Suplicy, Ediane Maria e Paula Nunes pediram que grupo investigue caso. Viaturas da PM seguiram cortejo e ouvidor questionou sargento que estava com câmera corporal no bolso
Os deputados estaduais Eduardo Suplicy (PT), Ediane Maria (PSol) e Paula Nunes da Bancada Feminista (PSol) pediram ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) para que investigue os policiais militares que estiveram presentes durante o velório, o cortejo e o enterro de Ryan da Silva Andrade dos Santos, de 4 anos, morto durante uma ação da PM no Morro São Bento, em Santos (SP), no dia 5 de novembro.
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A representação, que data desta segunda-feira (18), é endereçada ao Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (GAESP) do MP-SP. Com base nas reportagens da Ponte, os parlamentares argumentam que os agentes promoveram ações “vexatórias e revitimizantes” aos familiares do menino que se enquadram no crime de violência institucional, previsto no artigo 15 da lei dos crimes de abuso de autoridade (13.869/2019).
Os parlamentares ainda requisitam que o secretário da Segurança Pública (SSP-SP), Guilherme Derrite, tenha as condutas apuradas uma vez que chamou de “vitimismo barato” a contestação da deputada Paula Nunes sobre a dinâmica da morte da criança durante uma audiência na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
Segundo a norma, a violência institucional acontece quando a vítima de uma infração penal ou testemunhas de crimes violentos é submetida a “procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade” situações de violência ou que gerem estigmatização e sofrimento. A pena é de detenção, que varia de três meses a um ano e pagamento de multa. Caso o crime tenha sido praticado por um agente público, o tempo dessa punição é dobrada.
Os deputados entendem que essa violação ficou configurada a partir da presença massiva de policiais militares na comunidade durante o velório, o cortejo e enterro; da utilização de armas de alto calibre, como fuzis, que ainda teriam sido apontados na direção de moradores e de uma repórter do jornal O Globo; da entrada de viaturas dentro do Cemitério da Areia Branca, onde o menino foi sepultado; e de uma abordagem truculenta do lado de fora do cemitério, contra um motociclista negro que teria levado um tapa na cabeça por um dos policiais do 21º Batalhão de Polícia Militar do Interior (BPM/I) cuja câmera corporal estava sendo usada de forma inadequada, dentro do bolso do colete.
Como a Ponte mostrou, viaturas estiveram presentes durante toda a cerimônia. Após o enterro de Ryan, ouvidor das Polícias, Claudio Aparecido da Silva, viu do lado de fora a abordagem que teria ocorrido porque a moto do homem estaria sem placa. Segundo ele e demais testemunhas, o homem levou um tapa na cabeça e questionou o motivo. Um dos PMs teria dito “para você acordar”.
A polícia disse que iria apreender a motocicleta, mas depois desistiu e o homem foi liberado ao apresentar a placa e dizer que ela tinha caído no caminho. O cabo Kenedy, ao liberar o motociclista, disse que não queria tumulto.
“Quem está querendo tumultuar aqui, cabo? Quem veio tumultuar foram vocês. Respeite a vida das pessoas. Quem veio tumultuar foi o senhor que agrediu o motociclista”, rebateu o ouvidor. “Ele falou que foi agredido? Então ele que ele represente contra a gente, o senhor não tem nada a ver com isso”, respondeu o cabo.
O ouvidor foi questionar o motivo da abordagem e o fato de que o sargento Ailton estava com câmera corporal dentro de um bolso do colete, e não com o suporte correto para acoplar o equipamento. Teve início um bate-boca e os demais policiais tentaram afastá-lo, colocando a mão sob seu ombro, e fizeram o mesmo com a deputada estadual Paula Nunes (Psol), que pediram para que não encostassem neles. A reportagem da Ponte gravou o incidente.
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O sargento se contradisse algumas vezes ao explicar que a viatura não estava ali por causa do enterro. Primeiro, afirmou que parou para abordar a motocicleta sem placa. Depois, que foi designado para atuar ali, já que o batalhão é do Guarujá, por causa da possibilidade de greve de motoristas de caminhão. A seguir, disse que poderia haver queima de ônibus por causa do enterro de um dos mortos desta semana.
O ouvidor ligou para o comandante-geral, coronel Cássio Araújo de Freitas, que determinou a ida do comandante do 6º BPM/I, major Nakaharada. Quando o major chegou ao local, os policiais já tinham ido embora, mas pediu as imagens gravadas pela reportagem para encaminhar ao comando do batalhão.
“Quando tem morte de traficante, eles dão tiro de fuzil, registram e põem na rede social. Isso é ruim para eles, para cidade e para todo mundo porque dá princípio de desordem. Então, tem esse procedimento de não deixar passar pelo morro. Só que esse procedimento não era para ser aplicado no velório do menino. Se tem aglomeração, a gente acompanha de longe, ostensivamente, para evitar tumulto e queima de ônibus”, explicou à Ponte.
Os parlamentares apontam que não é a primeira vez que a polícia age de forma “intimidatória” em cerimônias fúnebres de pessoas mortas pela PM na Baixada Santista e que “não recebe reprimenda adequada por parte do comando da pasta a que está submetida, o Secretário de Segurança, Guilherme Derrite”.
“Na qualidade de gestor da Pasta de segurança, sabe-se que seu posicionamento possui grande peso entre as tropas e na definição das ações até mesmo dos policiais nas ruas”, afirmam. Os deputados ainda ressaltam que posição do porta-voz da PM, coronel Emerson Massera, também revitimizou familiares da criança, uma vez que gastou a maior parte do tempo da coletiva de imprensa que ocorreu no dia seguinte à morte de Ryan para defender os policiais e para dizer que o pai dele, Leonel Andrade Santos, 36, morto na Operação Verão em fevereiro deste ano, “não tinha o nível de deficiência que a mídia está colocando”.
Leonel usava muletas e tinha dificuldade de se locomover. A família sustenta que ele foi executado enquanto conversava com um amigo de infância, Jefferson Ramos Miranda, 37. Com isso, em menos de um ano, a cozinheira escolar Beatriz Rosa, 29, perdeu o marido e o filho pequeno para a violência policial.
‘Crime de violência institucional’
“Não há dúvidas que as condutas descritas ensejam a configuração do crime de violência institucional, uma vez que cada uma e, especialmente, todas tomadas em seu conjunto, representam situações praticadas sem estrita necessidade que expuseram vítimas e testemunhas de crimes violentos a procedimentos revitimizantes, que produziram extremo sofrimento após a morte de uma criança de apenas 4 anos”, sustentam Eduardo Suplicy, Paula Nunes e Ediane Maria.
Entidades de direitos humanos que participaram da comitiva liderada pela Ouvidoria das Polícias para acompanhar a cerimônia fúnebre de Ryan também preparam um relatório para entregar ao Procurador-Geral de Justiça Paulo Sérgio de Oliveira e Costa a fim de cobrar apuração sobre o comportamento da polícia no local e respostas diante das 56 mortes da Operação Verão deste ano.
Além de Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, e Gregory Ribeiro Vasconcelos, 17, mortos no Morro São Bento em 5 de novembro, um adolescente de 15 anos, que estava na moto junto com Gregory, foi ferido, mas sobreviveu. À Ponte, o advogado dele, assim como a mãe de Ryan, Beatriz Rosa, disseram que não houve troca de tiros e que apenas a PM fez disparos.
A polícia argumenta que entrou em confronto com homens armados. Os policiais, do 6º BPM/I, não usavam câmeras pois o batalhão não foi contemplado pelo programa.
Nesta quinta-feira (21), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, determinou que a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) forneça detalhes sobre o contrato homologado neste ano para a aquisição de câmeras corporais para a PM. Ao contrário das que estão em uso — que têm gravação ininterrupta —, as novas dependerão do acionamento do policial para registrar a ocorrência. A decisão de Barroso atende a um pedido da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que havia reforçado o pedido para que policiais usassem os equipamentos em operações policiais.
O que dizem as autoridades
A Ponte procurou a assessoria do MP-SP sobre a representação, mas não houve retorno.
Também contatamos a Secretaria da Segurança Pública sobre a representação e a decisão do STF. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, enviou a seguinte nota:
O caso é rigorosamente investigado pela Deic de Santos e pela Polícia Militar, por meio de Inquérito Policial Militar. Os agentes envolvidos na ocorrência estão afastados da atividade operacional e os laudos periciais estão em elaboração para auxiliar a autoridade policial no total esclarecimento dos fatos. Quanto ao velório, as denúncias são minuciosamente analisadas pela PM, que intensificou o patrulhamento na região após o ocorrido com um único objetivo: identificar e prender os autores do ataque aos policiais. A Instituição reforça, mais uma vez, que mantém sua Corregedoria à disposição para registrar e apurar denúncias contra a atuação dos seus agentes, bem como para prestar esclarecimentos a órgãos de controle externo, reiterando o seu compromisso e respeito às leis, à transparência e à imparcialidade.