Desde 2017, polícia do PR matou 215 adolescentes com até 17 anos

Total de mortes pelas forças de segurança no período foi de 2.194; familiares intensificam protesto

Familiares protestam por justiça para jovens mortos pelas polícias paranaenses em Londrina | Foto: Rede Lume

No dia 15 de junho do ano passado, o adolescente Davi Gregório Ferraz dos Santos, de 15 anos, foi até um imóvel na Vila Recreio, na cidade de Londrina (PR), provavelmente para comprar maconha. E acabou morto pela polícia. A versão oficial é que o jovem reagiu armado a uma abordagem. Mas a família tem certeza que ele foi executado por engano, num acerto de contas entre a PM e um traficante.

Cinco anos antes, na mesma cidade e também num 15 de junho, Gabriel Sartori, de 17 anos, estava conversado com amigos em frente à escola.  Um policial de folga, com seu cachorro da raça doberman, achou por bem enquadrar os adolescentes atirando para o chão. A bala ricocheteou e matou Gabriel.

Em virtude de casos como esses, familiares de pessoas mortas em ações policiais estão intensificando protestos no Paraná. Na última sexta-feira (15), fizeram um ato no local onde Davi foi baleado para lembrar a morte dele e de Gabriel. Na semana anterior, houve duas manifestações em Curitiba.

As forças de segurança no estado vêm matando cada vez mais. Levantamento feito pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Paraná, mostra que, em 2017, foram mortas 275 pessoas por policiais no estado. Esse número veio crescendo ano a ano e chegou a 488 em 2022. Nesses seis anos, o total de mortes é de 2.194, sendo que 215 delas são de menores de 18 anos.

O Estado vem e mata seu filho e você é obrigado a conviver com essa dor todos os dias”, desabafa Marilene Ferraz da Silva Santos, mãe de Davi Gregório. “Estou arrasada e decepcionada. Não consigo entender essa Justiça. Tantos anos de luta”, reclama Cristiane Sartori, mãe de Gabriel. O PM que matou o filho dela foi inocentado em julgamento realizado em fevereiro de 2022.

Presente no ato de Londrina, o deputado federal Tadeu Veneri (PT-PR) ressaltou que as mortes pelas forças de segurança cresceram bastante no governo de Jair Bolsonaro (PL) em todo o País. “Quando você tem um presidente que estimula esse tipo de comportamento, certamente ele está dando um salvo-conduto àqueles policiais que veem a farda também como salvo-conduto para executar”, declara.

Ele considera que o governador paranaense, Ratinho Júnior (PSD), é conivente com a postura da polícia e procrastina a instalação de câmeras nas fardas dos policiais, defendida pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e por outras entidades. O governo abriu licitação visando locar apenas 300 câmeras para um projeto piloto que vai durar um ano. Só a PM tem 18 mil homens no Paraná.

Responsável pela área de direitos humanos do Ministério Público Estadual, o procurador Olympio de Sá Sotto Maior Neto afirma que o crescente número de mortes pela polícia está relacionado à propagação do discurso de ódio no País nos últimos anos. “Há um contexto de estímulo, até de apologia ao crime, impulsionando, infelizmente, para esse tipo de solução. Nós vamos observar casos em que há agentes agindo em legítima defesa, mas há casos em que se identifica que se trata de uma execução fora dos parâmetros legais”.

Sotto Maior acredita que a instalação de câmeras nas viaturas e uniformes das polícias pode vir a coibir abuso, além de proteger agentes que trabalham na legalidade. “Em São Paulo e Santa Catarina, onde já se utiliza essa possibilidade, houve um decréscimo significativo de casos de letalidade policial”.

38% dos mortos não têm passagem pela polícia

Um estudo feito pela Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) mostra que, além de a polícia matar muita gente no estado, quase ninguém é processado pelos homicídios. O órgão estudou 302 mortes decorrentes de ação das forças de segurança paranaenses entre 1º de janeiro e 28 de outubro de 2021. Somente três casos, ou 0,99% do total, foram objetos de ação penal.

A nota técnica expedida pela DPE-PR traz outras informações preocupantes. Menos da metade das pessoas mortas (47%) tinham condenação criminal e 38% delas sequer contavam com passagem pela polícia.

A coordenadora do Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (Nupep), Andreza Lima de Menezes, diz que o aumento dos registros de mortes motivou o estudo. “Não tem política pública sendo colocada em prática para tentar frear esse número de mortes. Nos chamou atenção (nos casos estudados) uma certa pobreza nas fundamentações relacionadas à legítima defesa dos policiais. Há sempre um discurso de que os civis mortos reagiram à abordagem, que estavam armados e que foi necessário vitimá-los”, afirma.

As suspeitas de familiares de que a polícia forja confrontos que na realidade são execuções encontram respaldo no estudo. O Código de Processo Penal, em seu artigo 6º, dispõe que a autoridade policial deve preservar o estado e conservação do cenário do crime, acionar a perícia, elaborar o boletim de ocorrência e aguardar que os peritos examinem o local dos fatos. Em 53% dos casos essa determinação foi descumprida. As armas que os policiais alegam que estariam em posse das pessoas mortas não foram encontradas junto aos corpos quando as equipes de Criminalística chegaram para atender as ocorrências.

“O que a gente vê (nos processos) é a narrativa de que alteração da cena era necessária para a preservação da equipe policial É como se a pessoa atingida ainda fornecesse perigo para a equipe”, aponta a defensora.

Segundo o estudo, a cor da pele mortos é definida como branca em 35% e preta em 36% dos casos. Essa informação não consta nos inquéritos dos 29% restantes.

Publicada originalmente na Rede Lume

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