Menos de 24 horas depois que juíza federal proibiu governo Bolsonaro de fazer as ‘devidas comemorações’ do golpe militar de 1964, desembargadora aceita argumento da AGU de que data não afronta os direitos humanos
A desembargadora Maria do Carmo Cardoso, Corregedora Regional da Justiça Federal da 1ª Região, derrubou a liminar concedida nesta sexta-feira (29/3) e que proibia comemorações do golpe de 1964, que deu início à ditadura militar no Brasil e que completa 55 anos neste domingo (31/3). Leia decisão na íntegra aqui. Na decisão, Maria do Carmo acatou os argumentos da AGU (Advocacia Geral da União) e entendeu que a medida é decisão que compete o governo, portanto, está dentro da legalidade e não fere os direitos humanos. “Não visualizo violação ao princípio da legalidade, tampouco violação a direitos humanos, mormente se considerado o fato de que houve manifestações similares nas unidades militares nos anos anteriores, sem nenhum reflexo negativo na coletividade”, escreveu.
Depois que o governo Bolsonaro, na última segunda-feira (25/3), através de pronunciamento e ato administrativo do Ministério da Defesa, determinou que as “devidas comemorações” fossem feitas neste dia 31 de março, a DPU (Pefensoria Pública da União) entrou com ação para impedir que tal fato acontecesse. A juíza Ivani Silva da Luz, titular da 6ª Vara do Distrito Federal, concedeu liminar aceitando os argumentos da defensoria e frisando que comemorar a ditadura feria os direitos humanos e os valores democráticos.
Na decisão, Ivani destacou que o conteúdo da nota do Ministério da Defesa é incompatível com a reconstrução democrática, porque ataca o Estado Democrático de Direito ao não reconhecer o regime de exceção que vigorou no Brasil a partir de 1964. “O compromisso com os valores democráticos para restabelecimento do Estado de direito e superação do Estado de exceção antes vigente, está canalizado pelo discurso do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, na promulgação da Constituição Federal de 1988, esta, sim, a ser celebrada diuturnamente pelos cidadãos brasileiros, suas instituições e as autoridades que os servem”, escreve Ivani. Na sequência, colocou o discurso, que traz frases como “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”, na íntegra.
A magistrada também ponderou que, caso o dia 31 de março se tornasse uma data comemorativa, isso teria que vir a partir de consulta à sociedade.
A desembargadora plantonista deste sábado (30/3) rebateu esses argumentos afirmando que permitir que as pessoas façam o que bem entendam sobre o 31 de março é defender o pluralismo. “A nota divulgada pelo Ministério da Defesa, já amplamente veiculada pela imprensa, não traz nenhuma conotação ou ideia que reforce os temores levantados pelos agravados, de violação à memória e à verdade, ao princípio da moralidade administrativa ou de afronta ao estado democrático de direito — o qual pressupõe a pluralidade de debates e de ideais”, escreveu. “Não obstante reconheça a sensibilidade do tema em análise, confiro relevância à argumentação da agravante, no sentido de que a recomendação deduzida pelo Presidente da República insere-se no âmbito do poder discricionário do administrador”, concluiu.
O episódio 7 do PonteCast trouxe esse tema. A Ponte recebeu o jornalista e escritor Pedro Estevam da Rocha Pomar para falar o quão absurda e vergonhosa é a ideia de comemorar o golpe de 64 que vitimou tantas pessoas pela tortura imposta pelos militares. Pomar teve o avô morto no episódio conhecido como Massacre da Lapa, em 1976, e o pai preso e torturado pelo regime militar. Ainda criança, precisou assumir outro nome para preservar a vida. Não há a menor seriedade nas afirmações feitas por pessoas do governo Bolsonaro. Houve golpe, sim, em 64”, afirma.