‘Destruíram uma família’, diz mãe de jovem morto pela PM em Limeira (SP)

Vinícius Marconato de Souza, 24 anos, morreu em março após ser perseguido pela PM; mãe diz que o filho foi executado e que nega versão de troca de tiros: “meu filho nunca pegou em uma arma”

Vinícius Marcondes de Souza, 24, foi morto por PMs em Limeira, no interior de São Paulo | Foto: Arquivo pessoal

Vanessa Cristina Marconato, 45 anos, foi acordada com a notícia da morte do filho caçula. Era um sábado de manhã, dia 16 de março. Na noite anterior, Vinícius Marconato de Souza, 24, viveu uma sexta-feira comum. Foi ao barbeiro, como era costume, e saiu para encontrar amigos após voltar do trabalho. O jovem era eletromecânico, empregado de uma empresa de saneamento e jogador do time amador no Bomba Futsal. “Era um bom menino. Tudo que pediam, ele ajudava”, diz a mãe. Vanessa foi ao IML de Limeira, no interior de São Paulo, com pressa. Tinha esperança daquilo tudo ser uma confusão. “Eu acreditava não ser ele, mas, infelizmente, era”, afirma. Vinicius foi morto com oito tiros disparados por policiais militares. Em depoimento, os PMs narram uma troca de tiros iniciada após supostos disparos feitos pelo jovem. A família contesta. “Meu filho nunca pegou em uma arma”, diz a mãe. 

A morte ocorreu na madrugada daquele sábado. Naquela noite, Vinícius foi com amigos para pelo menos três tchays (um tipo de bar) em Limeira, cidade onde morava e onde nasceu. Amigo de infância do jovem, o barbeiro Lucas Elias, 23 anos, diz sentir saudades do eletromecânico. “[Ele] trampava normal, gostava de jogar bola. Ele faz mó falta para nós”, lembra. 

Lucas estava com Vinícius pouco antes da morte. Ele conta que, por volta das 2h da manhã, o amigo se afastou do grupo. Ele passou a conversar com uma pessoa que estava no interior de um carro. O barbeiro recorda que o amigo deu a chave do veículo que possuía para um colega e, na sequência, entrou no carro que o abordou. Sem notícias sobre o paradeiro, Lucas passou a madrugada procurando por Vinicius. Tentou ligar, mandar mensagem, mas o telefone não recebia mais recados. 

À Ponte, o barbeiro disse que não viu quem estava no veículo. Vanessa, mãe do jovem, também diz não saber quem era a pessoa. Segundo Lucas, Vinícius bebeu álcool naquela noite, mas não estava embriagado.

O carro em questão havia sido roubado pouco tempo antes no bairro Morada das Acácias. Segundo relato do amigo, Vinícius não esteve no local. Ele diz que o grupo migrou entre estabelecimentos em Jardim Belinha Ometto, Jardim Vista Alegre e Jardim Santa Eulália. O último foi onde Vinícius entrou no carro e não foi mais visto pelos amigos.

Na versão dos policiais registrada no boletim de ocorrência, houve um aviso de que um carro tinha sido roubado. Os PMs passaram, então, a buscar por ele. Em uma das ruas do bairro Jardim Odecio Degan, eles teriam visto o veículo e passaram a persegui-lo. Ainda conforme os relatos dos policiais, o motorista perdeu o controle do veículo em uma curva em S, ficando semi-lateralizado. Os PMs disseram ter dado ordem de parada, mas Vinícius teria disparado contra eles, o que os fez revidarem. 

A perseguição seguiu já que, segundo os policiais, Vinicius retomou o controle do carro e acelerou. O jovem parou na rua Paulo Gomes da Silva, onde teria atirado mais vezes e sofrido com disparos dos PMs, que alegaram legítima defesa. 

Na rua Paulo Gomes da Silva, uma área com mata próxima, o jovem teria descido do veículo atirando, segundo os policiais. Ferido com oito tiros, ele morreu no local. O tenente Pedro Henrique Teixeira admitiu ter disparado cinco vezes. Já o soldado Marcelo Farias Lima falou que atirou 11 vezes. 

O caso foi registrado na Delegacia Seccional de Limeira às 5h da manhã. O delegado Assis José Christofoletti determinou a apreensão das armas dos policiais e o local onde o corpo estava passou por perícia. O caso chegou a ser registrado como homicídio decorrente de intervenção policial, mas foi alterado para homicídio decorrente de oposição à intervenção policial. 

O inquérito ainda não foi concluído. A família aguarda exame necroscópico para ter detalhes sobre a morte. Para Vanessa, o filho foi executado. A assistente administrativa diz que os policiais tinham que ter levado o filho dela preso e não o matado. “A polícia sabe como imobilizar alguém se houvesse resistência. Mas oito tiros é surreal”, fala.

Vanessa contesta a versão dos PMs de que o filho atirou por quatro vezes ao sair do carro. Ela tem como base o exame residuográfico que deu negativo para a presença de pólvora nas duas mãos de Vinícius. “Meu filho não tinha arma, meu filho não atirou contra os policiais, meu filho foi executado com oito tiros”. Os disparos teriam atingido o abdômen, ombro e a cabeça (na têmpora direita). 

A mãe reclama da demora no avanço das investigações, que já se estendem há um mês. Outro ponto causa desconforto: Vanessa fala que não foi solicitado até aqui análise de digitais na arma supostamente apreendida com o filho. Para ela, a negativa do exame pode ajudar a provar que o filho não atirou. 

No boletim de ocorrência, os policiais falam apenas sobre Vinicius no local do crime, sem citar uma segunda ou terceira pessoa no local.

Morte gera comoção

A família de Vinícius mora em Limeira há 29 anos. Foi no município do interior que Vanessa criou os dois filhos: a mais velha com 27 anos e Vinicius com 24 e o neto de 6 anos. 

O neto manda todos os dias mensagens para o Vinícius pelo celular. Vanessa diz que a criança sente muita falta do tio, de quem era muito próximo. 

A mãe lembra que Vinicius gostava da frase “só se vive uma vez”. Era como se fosse um lema do jovem que adorava encontrar os amigos em festas e bares. O jogador do Bamba Futsal recebeu homenagens dos colegas de clube após a morte. Um vídeo que destaca os melhores lances do camisa 8 em quadra foi postado pelo grupo no YouTube. “Para sempre será lembrado”, diz a frase que acompanha a sequência de imagens.

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O grupo também fez homenagem com fogos de artifício e aplaudiu o amigo. A família de Vinicius recebeu da Câmara dos Vereadores uma carta lamentando a morte. O texto assinado pelo presidente da Casa, Everton Ferreira (PSD), deseja conforto espiritual. “Que haja muita paz, que sejamos mais fortes do que ferro para suportar a caminhada daqui para frente de quem tanto amamos”. 

A mãe pensa em abandonar o trabalho que exerce há cinco anos como assistente administrativa em um hospital. A vida perdeu o sentido, diz ela. “Eles destruíram uma família”, fala. 

O que dizem as autoridades 

A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) questionando a demora na conclusão do inquérito e pedindo entrevistas com o tenente Pedro Henrique Teixeira, com o soldado Marcelo Farias Lima e com o delegado Assis José Christofoletti. Não houve retorno até a publicação. O espaço está aberto. 

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