Presos em protesto contra privatização da Sabesp: ‘querem criminalizar movimentos sociais’

Grupo rebate acusação de associação criminosa e fala em “escalada antidemocrática gravíssima”. O professor Lucas Carvente e o estudante Hendryll Luiz foram libertados na terça-feira (12/12) após passarem seis dias presos

Na ordem: Ricardo Senese, Vivian Mendes, Hendryll Luiz e Lucas Carvente foram detidos durante protesto na Alesp | Foto: Catarina Duarte/Ponte Jornalismo

Os quatro detidos durante protesto na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) dizem que suas prisões foram “arbitrárias” e “com fins políticos”. Para o grupo, a acusação de associação criminosa ao qual eles sofreram é uma tentativa de criminalizar os movimentos sociais. O caso ocorreu na última quinta-feira (7/12) quando os deputados votavam um projeto que abre caminho para a privatização da companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). 

Vivian Mendes, presidente estadual do partido Unidade Popular, o dirigente da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro) Ricardo Senese, o professor Lucas Carvente e o estudante Hendryll Luiz concederam entrevista coletiva nesta quarta-feira (13/12), no prédio do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), na capital paulista. A manifestação ocorreu um dia após a libertação via habeas corpus de Lucas e Hendryll.

A dupla estava presa no Centro de Detenção Provisória de Guarulhos, na Grande São Paulo. Segundo boletim de ocorrência do caso, ao qual a Ponte teve acesso, Lucas teria jogado um tripé contra um policial e Hendryll algo semelhante a uma tábua de madeira. 

Durante a coletiva, ambos relataram terem sido agredidos pelos policiais militares. Eles contaram que os PMs usaram gás de pimenta, que não tem uso recomendado em local fechado, contra o grupo que estava na galeria da Alesp, e bateram com cassetetes nas cabeças dos manifestantes. 

“A primeira agressão que deram foi de cima para baixo. Não foi para afastar, foi para machucar. Eu senti medo. O caos foi instaurado porque eles foram covardes”, disse Hendryll.

A Ponte mostrou em reportagem anterior que Michael Rocha, estudante de Letras e militante da UP, foi atingido na cabeça e precisou fazer pontos. Ele relatou ter sido agredido mesmo quando a galeria já estava quase vazia. 

Vivian e Ricardo também foram detidos no protesto, mas acabaram liberados após audiência de custódia. Na coletiva, Vivian relatou ter sido agredida com um cassetete por um policial. A líder partidária contou que os PMs já demonstraram insatisfação com a presença do grupo logo que eles chegaram ao local. 

“Começamos a perceber que existia um objetivo muito claro de impedir a manifestação popular naquele projeto de lei, de impor através da força, de forma antidemocrática, os interesses da extrema-direita e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos)”, disse Vivian.  

Já o dirigente da Fenametro disse que foi detido quando passou a filmar a ação dos policiais que levavam Vivian até um camburão. “Nós dissemos o tempo todo para eles que não estávamos oferecendo resistência.”

Criminalização dos movimentos sociais

O grupo foi indiciado pela delegada Fabíola Miyashiro Lee por desobediência, resistência e associação criminosa. Lucas e Hendryll também foram responsabilizados por lesão corporal dolosa contra os policiais. 

Vivian reagiu ao que chamou de questão política quanto à acusação de associação criminosa — caracterizado pela união de pessoas a fim de cometer crimes de forma consciente. “Estamos vivendo uma escala antidemocrática gravíssima. Existe uma escalada de violência contra as organizações. Não só aos movimentos sociais, mas aos partidos e mandatos”, disse. 

“Essa é uma forma escancarada de mostrar o quão política foram não só as nossas prisões, mas todo esse processo. Hoje faz 55 anos da instauração do AI-5 pela ditadura militar. Esse contexto que estamos vivendo, onde já deveríamos ter superado várias violações de direitos humanos, nós demoramos dias para conseguir aquilo que o AI-5 suspendeu, que era o habeas corpus, entre tantas outras coisas”, define. 

Para Ricardo, a situação beira o desespero. Ele diz que há uma tentativa de construir um paralelo entre o que aconteceu na Alesp com o 8 de janeiro em Brasília (DF), quando bolsonaristas, indignados com o resultado das eleições, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). “Parece um desespero a correlação que querem fazer com o que aconteceu no 8 de janeiro. Uma tentativa de golpe no Estado brasileiro, que todas aqui sabem em que circunstâncias foi possível acontecer o 8 de janeiro e essa correlação com o que aconteceu na Alesp só se explica com desespero”, diz. 

A responsabilização por associação criminosa foi criticada pela coordenadora do Programa de Proteção e Participação da ONG Artigo 19, Maria Tranjan. À Ponte, ela disse que esse tipo de crime não pode ser usado para criminalizar uma manifestação política. 

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“O crime de associação criminosa é comumente usado contra pessoas que estão exercendo o direito de protesto ou exercendo o direito de reunião, de reunião pacífica. Você se juntar com a finalidade de protestar não é você cometer um crime. Então, isso já seria ruim. Mas você falar que essas pessoas se juntaram naquele momento quente, em que já havia um atrito entre os deputados, entre as forças policiais, e falar que essas pessoas, de alguma forma, se associaram para o crime em questão de segundos para praticar crimes de resistência e de desobediência, que são crimes de menor potencial ofensivo, me parece bastante grave”.

Outro lado 

A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP). Em nota, a secretaria informou que a delegada que assinou o boletim de ocorrência não faz parte da equipe da 27º Distrito Policial (Campo Belo), onde o caso foi registrado. No entanto, a SSP-SP informou que uma portaria permite que o registro de ocorrência seja feito por qualquer policia civil.

Veja nota da SSP-SP na íntegra

A Polícia Civil esclarece que o nome mencionado na matéria não corresponde a nenhuma delegada que integra a equipe do 27º Distrito Policial (Campo Belo). Quanto aos questionamentos sobre o atendimento de ocorrências, é importante ressaltar que, conforme o artigo 252 da Portaria DGP 26/2023, qualquer policial civil pode ser designado pelo delegado de polícia para realizar os atos de polícia judiciária necessários ao registro da ocorrência. Isso inclui o atendimento ao público em geral e, se necessário, a elaboração de boletim de ocorrência no Sistema de Polícia Judiciária (SPJ). Além disso, os policiais estão autorizados a auxiliar na execução e formalização de qualquer ato de polícia judiciária, administrativa e preventiva especializada, conforme determinado pelo delegado.

*Matéria atualizada às 11h30min de 14 de dezembro de 2023 para incluir a nota da SSP-SP.

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