No Dia das Crianças, a Ponte conversa com uma criança do Grajaú, periferia de São Paulo
Anthony Araújo Nicastro tem 11 anos e estuda na Escola Estadual Levy Carneiro. No bairro onde mora com o pai e a irmã, na região do Grajaú, periferia da zona sul de São Paulo, é conhecido como Nino. Mas ele diz que não quer ser chamado pelo apelido na reportagem.
Das disciplinas escolares, sua preferida é matemática, mas ele ainda está cheio de dúvidas sobre o caminho que pretende seguir profissionalmente. “Quero ser desenhista, biólogo, mecânico, advogado, policial ou pedreiro”, diz o menino. Mas, das seis opções que cogita, nenhuma se relaciona diretamente aos números dos quais ele gosta hoje.
Seu desejo mesmo é ser desenhista, porque sente que tem esse dom, e mostra um de seus desenhos (abaixo), mas as outras cinco profissões concorrem na decisão. Uma que tem peso é ser mecânico, por ser um pedido do pai.
Apesar de achar que não é mais criança, Anthony aguarda, neste 12 de outubro, os brinquedos que deseja ganhar, em mais um Dia das Crianças na periferia. A Ponte trocou uma ideia com o menino para conhecer seus pontos de vista sobre infância, medos, expectativas. Confira a entrevista:
Ponte: Você se considera o quê: criança, adolescente, jovem, adulto?
Anthony: Eu sou pré-adolescente. Não sou criança. E nem adolescente.
Ponte: Qual a diferença entre ser criança e pré-adolescente?
Anthony: Eu acho que pra ser criança precisa ter 10 ou 9 anos. Eu já passei por isso. Para ser pré-adolescente, preciso ter 12 ou 13. Para ser adolescente, 18 ou 19.
Ponte: E pra ser adulto?
Anthony: Vixi, lá para os 40… Mentira, lá para os 33.
Ponte: O que você pode fazer agora e não podia fazer quando era criança?
Anthony: Essa é difícil. Mas o que eu não podia fazer antes e posso agora é, provavelmente, ficar acordado até tarde.
Ponte: Agora que já tá crescido, você tem medo do que?
Anthony: Não tenho medo de nada. Única coisa que eu fiquei com medo foi quando eu tava em casa sozinho à noite e deu um apagão na luz.
Ponte: Você ficou com medo do que?
Anthony: Porque tinha dado um apagão e eu tava ouvindo um zumbido no teto.
Ponte: E de pessoas, de criminosos, essas coisas não te colocam medo?
Anthony: Não. Só no dia que roubaram o celular da minha prima e da minha irmã. Mas foi só naquele dia, depois já passou.
Ponte: Você quer trabalhar com que quando tiver mais velho?
Anthony: Para falar verdade, o que eu quero ser mesmo é desenhista. Mas meu pai quer que eu seja mecânico. Eu também quero ser um pouco de pedreiro, igual meu pai. Ou eu queria ser biólogo marinho. Também quero ser advogado ou policial.
Ponte: Mas se fosse colocar em uma ordem do que você mais quer, qual seria?
Anthony: Em primeiro eu quero ser desenhista. Depois, biólogo marinho. Terceiro, mecânico, porque meu pai pediu. Em quarto, advogado. Em quinto policial, porque pedreiro o meu pai não quer muito que eu seja. Eu só queria ser um pouquinho de pedreiro pra fazer minhas próprias coisas em casa.
Ponte: Para isso você tem que estudar. O que você gosta de fazer na escola?
Anthony: A maior parte do tempo eu gosto de ficar jogando pebolim.
Ponte: E das matérias?
Anthony: Matemática.
Ponte: E as outras?
Anthony: As outras eu até faço, mas tenho dificuldade. Também não gosto muito.
Ponte: Você tem uns parceiros na escola?
Anthony: Sim… Olha, não envia isso para o meu pai. É que quando tem aula vaga, a gente vai correndo para o pátio, e a tia pensa que a gente tá brincando lá e briga.
Ponte: Você já foi para diretoria alguma vez?
Anthony: Alguma? Sempre! Uma vez por causa disso que contei, do pátio, e outras vezes por outros motivos. Para falar a verdade, eu fico bagunçando com os meninos na sala. A professora escreve uma coisa e todo mundo fica gritando. Aí ela manda a gente pra diretoria.
Ponte: Agora saindo do assunto escola e trabalho. O que você gosta de fazer nas horas vagas? Você já viajou?
Anthony: Eu já fui para praia e para represa pescar com meu pai e os amigos dele.
Ponte: Você tem vontade de ir para algum lugar?
Anthony: Tenho vontade de ir para o Rio de Janeiro. Conhecer as praias de lá.
Ponte: Se você pudesse escolher qualquer lugar do mundo…
Anthony: No mundo todo, eu quero ir para os Estados Unidos. Conhecer lá e ver a neve.
Ponte: Hoje, o que você faz nos tempos livres?
Anthony: Eu brinco. Brinco com meu cachorro. E também vou jogar futebol no campo do brejo todo domingo.
Ponte: Você gosta de jogar bola?
Anthony: Gosto um pouco. Eu vou só de vez em quando.
Ponte: Mas você não quer ser jogador, né?
Anthony: Como meu pai me disse: nunca deixe de fazer aquilo que você quer quando os outros falam que você não vai conseguir.
Ponte: Isso significa o quê?
Anthony: Para eu sempre seguir meu sonho.
Ponte: Você sonha em ser jogador de futebol?
Anthony: Eu até queria se eu fosse bom.
Ponte: Você acha que não é bom?
Anthony: Não é que eu não sou bom, é que eu sou melhor no gol, mas eu não gosto de jogar no gol, eu gosto de jogar na linha.
Ponte: É isso. A entrevista acaba aqui.
Anthony: Tá. E o que eu ganho com isso?