Documentário sobre Julian Assange, o homem por trás do WikiLeaks, estreia no Brasil na próxima quinta-feira
Existe todo um enredo internacional contra um único sujeito. Ele permaneceu anos trancado numa embaixada procurando não ser preso. Mas acabou pagando o preço por sua audácia. Ele afrontou o maior império do mundo. O Pentágono requer desesperadamente a sua extradição. Autoridades dos Estados Unidos o tratam como um “criminoso costumaz”, acusado de espionagem e crimes contra a pátria. Ele poderá ser condenado a 175 anos numa masmorra de segurança máxima. Seu nome: Julian Assange. Seu crime: falar a verdade. Esse é o tema do curioso documentário Ithaka- A Luta de Assange, do diretor inglês Ben Lawrence, que estreia comercialmente no Brasil na próxima quinta-feira, dia 31 de agosto.
Em 2006, o ativista e jornalista australiano Julian Assange fundou o portal WikiLeaks que divulgou cerca de dez milhões de documentos de espionagem que incriminam os Estados Unidos. Ele teve acesso a registros que comprovam crimes de guerra cometidos pela maior potência do globo na Guerra do Afeganistão e violações de direitos humanos na prisão de Guantánamo, Cuba. Assange também comandou o vazamento de imagens do cruel ataque aéreo realizado pelo Exército Americano a Bagdá, capital do Iraque, em 12 de julho de 2007. Nessa ocasião, dois helicópteros americanos mataram doze civis num ataque impiedoso. Entre as vítimas, estavam dois repórteres da agência internacional Reuters. O WikiLeaks conseguiu imagens exclusivas de todo atentado.
Com tanto pioneirismo, Julian ficou conhecido internacionalmente. O WikiLeaks conquistou 36 prêmios internacionais de jornalismo e seu dono uma referência na militância dos direitos humanos. Ao mesmo tempo, tornou-se um dos homens mais procurados do mundo pelos Estados Unidos. Em 2012, o jornalista pediu asilo na embaixada do Equador em Londres. Ficou morando ali durante sete anos até que acabou preso pela polícia londrina. Desde então, Assange está detido na prisão de segurança máxima de Belmarsh, localizada em Thamesmead, sul de Londres. É ali que o ativista permanece trancafiado num confinamento solitário em condições absolutamente atrozes.
O longa-metragem parte do ponto de vista do pai de Assange, John Shipton, e da esposa do ativista, a advogada Stella Moris. Eles contam a trajetória do jornalista e sua luta pela liberdade no filme. O início, seu pioneirismo, seu envolvimento com Stella e sua distância dos dois filhos conduzem a narrativa do documentário. Ithaka funciona como uma boa introdução para conhecer melhor todo o itinerário pessoal e profissional de Julian Assange.
A ideia original do documentário foi do produtor Gabriel Shipton, meio-irmão de Julian. Ele procurou o cineasta Ben Lawrence, que acabou entrando de cabeça no projeto. O realizador explicou que o jornalista está pagando um alto preço por suas ideias. “Nesse tempo em que acompanho de perto sua história, percebi um aumento acentuado no apoio a ele e seu trabalho”, destaca Lawrence. “Eu realmente não acho que haja qualquer pessoa de renome que acredite que sua acusação deva continuar”, prossegue o cineasta. “Milhões de pessoas em todo o mundo estão pedindo ativamente por sua libertação.”
Ithaka- A Luta de Assange não economiza o mínimo detalhe do espectador comum. O documentário aborda questões bastante íntimas do ativista. Existe um medo dos próprios parentes que ele cometa alguma autoflagelação. Sua família sofre de um histórico de suicídio e Assange sofreu um diagnóstico de autismo quando criança. Seus dias em Belmarsh não são nada otimistas. O filme explica que o presídio foi projetado de uma maneira que os presos não vejam a luz solar. Outro assunto recorrente no documentário é o medo por parte dos familiares de Assange de que ele se torne uma espécie de mártir da liberdade.
O realizador Ben Lawrence confirmou que não existiu assunto proibido para a produção. Mas o pai de Julian, John Shipton, não respondeu algumas perguntas. “O importante é que essas perguntas foram feitas. Em alguns aspectos, as perguntas que John não respondeu e os sentimentos por trás delas seriam diminuídas por palavras”. Em tempos de fake news, o documentário mostra o quanto os Estados Unidos fazem qualquer negócio para permanecer como a potência hegemônica. Mesmo que para isso tenham que cometer as maiores atrocidades. Julian Assange e seus familiares que o digam.
Ithaka- A Luta de Assange
Direção: Ben Lawrence
Austrália/Inglaterra, 2022
Duração: 106 minutos
Nos cinemas
A coluna “Direitos em Cena” é o espaço para o cinema brasileiro contemporâneo na Ponte: seus filmes, seus diretores, seus personagens. Busca ampliar o espaço de narrativas cinematográficas que muitas vezes não recebem atenção da grande mídia, sempre em relação com os direitos humanos. A coluna é escrita por Matheus Trunk, jornalista, escritor, roteirista e mestre em comunicação audiovisual, autor dos livros O Coringa do Cinema (Giostri, 2013), biografia do cineasta Virgílio Roveda, e Dossiê Boca: Personagens e histórias do cinema paulista (Giostri, 2014).