Em imagem enviada a grupo de Whatsapp, diretor comparou seu subordinado, um inspetor penitenciário negro, à figura de um macaco
Seria apenas um momento de lazer no cinema, mas uma atitude do então diretor-adjunto da Casa de Custódia de Vila Velha, Leonardo Loyola Perini, acabou em denúncia de racismo protocolada contra ele no Ministério Público Estadual. Leonardo também responde a um procedimento instaurado pela própria Secretaria de Estado da Justiça (Sejus). No dia 4 de julho de 2017, o servidor público comparou um subordinado, inspetor penitenciário negro, à figura de um macaco que ilustrava o cartaz do filme Planeta dos macacos – A Guerra. O comentário foi feito num grupo de WhatsApp de funcionários do presídio, do qual a vítima não fazia parte.
Para praticar a ofensa, o diretor-adjunto Leonardo Loyola tirou uma foto ao lado do cartaz do filme, como se estivesse de mão dada com a figura do macaco. Em seguida, enviou a imagem para o grupo de WhatsApp denominado “Cascuvv”, que era utilizado, exclusivamente, para tratar de assuntos funcionais referentes à unidade prisional. No mesmo instante, o diretor-adjunto escreveu a seguinte legenda: “Eu e (…) no cinema”, associando o macaco ao inspetor, que pediu à reportagem para ter a identidade resguardada.
Denúncia anônima
Depois disso, uma denúncia anônima foi feita à Ouvidoria do Ministério Público Estadual. No trecho do documento ao qual a reportagem teve acesso, o denunciante relata: “Saliento que comumente pessoas racistas se referem a pessoas negras atribuindo-lhes a pecha de ‘macacos’. Isto aconteceu neste caso, quando o denunciado (Leonardo Perini) comparou o seu subordinado negro a um macaco em razão de sua cor. A vítima do crime não fez e nem faz parte do grupo, sofrendo esse ataque racista sem poder se defender, por ser designação temporária e podendo ser exonerado pelo seu algoz, Leonardo Perini”. Foram arroladas como testemunhas do ato de racismo alguns dos integrantes do grupo de WhatsApp, cerca de 20 pessoas.
Após a denúncia anônima, o caso segue sendo investigado pela Promotoria de Justiça Criminal de Vitória. Quem está à frente do caso é 8º Promotor de Justiça, Jefferson Valente Muniz. O inquérito foi instaurado no dia 18 de setembro de 2017 como a tipificação “Crimes Resultante de Preconceito de Raça ou de Cor” e não consta como arquivado.
“Não lembro”
O caso também foi denunciado à Ouvidora-Geral do Estado, que encaminhou o caso à Sejus, que, por sua vez, instaurou o procedimento de número nº 79027121. Sobre o caso, a Secretaria se manifestou aos denunciantes: “Em atenção ao teor da manifestação, informo que foi instaurado o procedimento nº 79027121 e encaminhando para apreciação do Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado da Justiça. Ressalto ainda que o andamento do presente procedimento poderá ser acompanhado pelo site www.sep.es.gov.br”.
Consultando o andamento do procedimento pelo site, é possível verificar que a denúncia encontra-se ativa e tramitando desde o dia 1º de agosto de 2017 por vários setores da Sejus, quando foi protocolada na Ouvidora-geral do Estado e encaminhada à Secretaria. No mesmo dia 1º de agosto de 2017, passou pela Corregedoria e pelo gabinete do secretário Walace Tarcísio Pontes.
Em 20 de dezembro, por sua vez, foi protocolada novamente e, no dia 8 de fevereiro deste ano, enviada à Corregedoria pela segunda vez. No dia 9 de fevereiro, passou pela Terceira Comissão Processante e, no dia 21 de fevereiro, foi enviada ao gabinete do secretário mais uma vez, onde, de acordo com o sistema de informação, permanece até o momento. Os denunciantes cobram punição para o assédio moral de um superior ao seu subordinado. Mas, até o momento, Leonardo Perini não sofreu qualquer punição. Atualmente, ele é diretor-adjunto da Penitenciaria Semiaberta de Cariacica, na região metropolitana de Vitória, para onde foi transferido depois do episódio.
A reportagem ouviu Leonardo Loyola Perini por telefone. O atual diretor-adjunto da PCS disse que não tem conhecimento dos procedimentos instaurados contra ele por crime de racismo, tanto no Ministério Público quanto na própria Sejus. Afirmou também que não foi chamado, em nenhum momento, para prestar esclarecimento em nenhuma das duas instâncias sobre o ocorrido. Leonardo afirmou ainda que não sabe se o fato – o ato de racismo – é verídico, pois “não se lembra de ter feito tal postagem no WhatsApp”.
Por três semanas, a reportagem procurou a assessoria de imprensa da Sejus para que do secretário Walace Tarcísio Pontes se pronunciasse sobre o caso, mas não obteve resposta. Também fez contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Direitos Humanos do Estado para que o secretário Júlio Pompeu analisasse a situação e, novamente, não recebeu resposta.
Ferida aberta
Para Gilberto Batista Campos, militante do Movimento Negro, esse ato é mais um entre milhares do cotidiano, que são justificados como “brincadeirinhas”. Segundo Campos, o caso envolvendo o servidor público tem um agravante pela vítima ser seu subordinado, o que também o enquadra em assédio moral.
“Além de racismo, é o caso de uma pessoa num cargo superior ridicularizar a quem lhe é inferior na hierarquia do trabalho”. Para Gilberto, o racismo é um crime que lesa a humanidade e que ataca um problema que ainda é uma ferida em aberta no Brasil, a escravidão.
Outros casos
Recentemente, outro caso de racismo teve repercussão no Estado. A situação aconteceu após uma postagem em rede social, que “viralizou” na internet. Nela, o rapaz Lucas Almeida publicou uma selfie em que está em primeiro plano e os jovens negros ao fundo, com a seguinte frase: “vou roubei seu celular”. O registro foi feito em um bloco de carnaval em Vitória deste ano. Um dos jovens, Iarley Duarte, de 23 anos, denunciou o caso, que está sendo investigado pela Delegacia de Crimes Virtuais da Polícia Civil.
O conceito jurídico brasileiro sobre injúria racial e sobre racismo, embora estejam ligados, são diferentes na legislação brasileira. A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3°, do Código Penal, estabelecendo pena de reclusão de um a três anos, além de multa. É considerada uma ofensa à dignidade, utilizando para isso elementos ou palavras referentes à raça, à cor, à etnia. A injúria racial, portanto, é direcionada a uma pessoa determinada. Já o racismo está previsto na Lei n° 7.716/1989, considero conduta discriminatória a um grupo ou coletividade.
Enquanto a injúria racial é um crime que tem prescrição de oito anos, antes de transitar em julgado, o racismo é inafiançável e imprescritível, de acordo com o artigo 5° da Constituição Federal. O advogado do jovem Iarley Duarte, Amarildo Santos, exemplifica: “racismo seria generalizar, como a frase ‘todo negro é ladrão’. Já a injúria racial é a utilização da cor e da raça de uma pessoa para diminuí-la. Nesse caso, ‘ele é ladrão porque é negro'”.
Caberá à Justiça definir em qual caso se enquadra o ato praticado pelo servidor da Sejus.