Garotos treinam futebol no Projeto Catumbi, na favela São Remo, zona oeste de São Paulo; na versão dos policiais, suspeitos estavam com a chave do carro roubado e foram reconhecidos por vítima
Por volta das 21h30 da última terça-feira (16/7), dois adolescentes de 16 e 17 anos, atletas de várzea da Favela São Remo, na zona oeste de São Paulo, foram apreendidos sob a acusação de que teriam roubado um carro a mão armada no Jaguaré, na mesma região. Familiares dos dois garotos e até mesmo o professor do Projeto Social Escolinha de Futebol do Catumbi, onde ambos são alunos, saíram em defesa deles. “Confirmo, sim, que são meus alunos. [Essa acusação] É impossível que seja verdadeira. Colocaram esses meninos na cena do crime”, declarou o treinador, Lula Santos, 45 anos.
Lula explica que o projeto existe na comunidade há mais de 5 anos e faz um acompanhamento criterioso dos meninos que participam, muito além das quatro linhas do campo. “Trabalhamos com crianças de 6 até jovens de 23 anos, e fazemos o acompanhamento desse aluno em vários aspectos da vida. Por exemplo, eu conheço as famílias deles dois, sabemos sobre o desempenho escolar. São meninos bons. Não fumam, não bebem, nada”, afirmou.
Em 14 de março deste ano, os dois passaram pela seletiva para jogar a Taça das Favelas São Paulo. Y., de 16 anos, que joga como atacante passou. A., de 17, que atua como meia-esquerda, no entanto, ficou retido por um quadro clínico ligado ao coração que exigia mais exames e acabou não conseguindo jogar o campeonato.
No 91º DP (Distrito Policial), onde o caso foi registrado, o delegado Fernando Antonio Terzidis considerou que a versão dos policiais militares era suficiente para pedir a internação dos dois adolescentes na Fundação Casa. “Em face de demonstrar-se, no caso concreto, a gravidade dos fatos, com reiteradas ameaças à vítima, determinou-se a apreensão dos adolescentes infratores”, escreveu o delegado.
Não demorou muito para que a notícia se espalhasse pela comunidade São Remo e gerasse indignação. Áudios enviados à Ponte pela Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, gravados na sede do Museu do Futebol de Várzea, mostram familiares dos meninos desesperados com o ocorrido e pedindo por justiça. “É um menino trabalhador. Eu cansei de levar ele até o local de treinamento para jogar na Taça das Favelas”, diz a mulher que se identifica como Elisângela, tia de um dos garotos.
A mãe do adolescente de 16 anos, Maria Ivone, está arrasada. “Meu filho tem sonhos, sempre sonhou em ser um grande jogador, não tem vícios, na escola é esforçado. Tudo que eu quero é que essa situação seja resolvida. Fui na Fundação Casa e meu filho está acabado, está destruído. Ele me viu e chorou dizendo ‘eu tinha sonho de ser jogador de futebol e agora estou dentro de uma cela. Eu fui confundido com outra pessoa, só porque eu sou dessa cor ou por ser pobre'”, relata a mãe de um dos garotos, em um dolorido desabafo à Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio.
Maria Ivone explica que por volta das 21h da terça-feira, trocou mensagens com o filho, que avisava que estava indo com o colega e companheiro de futebol visitar a namorada no Jaguaré. Quando chegaram ao edifício, a garota ainda não tinha voltado da igreja e, então, os dois amigos decidiram esperar. “Meu filho relata que passou um carro por ele e logo em seguida veio uma viatura da polícia, que fez a abordagem, algemaram eles, colocaram no fundo da viatura e levaram na delegacia, onde só então foram informados que estavam sendo presos por assalto a mão armada e tentativa de sequestro. As conversas dele com a namorada estão gravadas no celular. Meu filho não dirige, o A. não dirige. Se ele tivesse culpa no cartório, ele poderia, por exemplo, ter corrido e ele disse que não correu. Quando a polícia chegou, meu filho disse que ficou parado e esperou pela abordagem e estava tranquilo porque não devia nada a ninguém. Como já tinha sido abordado outras vezes, porque na favela isso acontece direto, achou que seria mais uma dessas vezes. Mas não”, desabafou.
Segundo o boletim de ocorrência, feito com a versão dos policiais e da vítima, porque, segundo o delegado, os garotos ficaram em silêncio, os PMs receberam o chamado de que um roubo de veículo teria ocorrido na região e que, em patrulhamento pelo local informado da suposta ocorrência, viram “três indivíduos próximos do veículo, que ao ver a aproximação da guarnição empreenderam fuga, sendo dois dos indivíduos alcançados abordados”, diz o documento. E segue informando que “indagados, os mesmos disseram que haviam roubado o veículo e que ele seria vendido”.
No trecho em que cita a vítima, há informação de que ela reconheceu “sem a menor sombra de dúvidas” de que os meninos eram os mesmo que estavam na cena do crime e que teria sido abordada pelas costas e ameaçada com uma arma que foi “colocada em sua cabeça e depois chegou a enfiar o cano em sua boca”, segundo o B.O.
Tanto Y. quanto A. estão na Fundação Casa do Brás, zona leste de São Paulo, onde poderão ficar até 45 dias. Nesta quinta-feira (18/7), houve a apresentação dos adolescentes ao Ministério Público, que está avaliando o caso e definirá uma data, respeitando esse prazo de internação provisória, para a primeira audiência com o juiz que vai cuidar do caso.
Segundo a defesa, ambos atestam sua inocência e, agora, os próximos passos serão reunir todas provas que vão refutar a versão do boletim de ocorrência. Procuradas, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) e a PM-SP (Polícia Militar de São Paulo) não retornaram até o fechamento da reportagem.
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