Doria criou cargos para as polícias Civil e Militar, mas ignorou a Científica

    ‘É o fim da imparcialidade da perícia’, diz presidente do Sindicato dos Peritos Criminais sobre ausência de nomeação de secretário-executivo em São Paulo; para ele, violência policial pode aumentar

    Eduardo Becker: “Se ele [Doria] desconhece como o trabalho do perito funciona, ele poderia ter chamado alguém para começar a conversar” | Foto: SINPCRESP/Divulgação
    O governador eleito em São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou na última sexta-feira (30/11) a criação de secretarias executivas das polícias civil e militar. A ideia do ex-prefeito de São Paulo é ter uma cúpula da Segurança Pública, que será chefiada pelo general da reserva do Exército João Camilo Pires de Campos. Ele irá assumir a pasta da Secretaria da Segurança a partir de 2019.

    O escolhido para ser secretário-executivo da Polícia Militar foi o coronel Álvaro Batista Camilo, que é deputado estadual e líder do PSD. Camilo foi comandante-geral da PM e vereador por São Paulo. O escolhido de Doria para ser secretário-executivo da Polícia Civil foi o delegado Youssef Abou Chahin, que foi delegado-geral de polícia e é aposentado.

    Entre os escolhidos do governador eleito não está nenhum representante da Polícia Científica, o que deixou o grupo indignado com a falta de reconhecimento. De acordo com Eduardo Becker, presidente do SINPCRESP (Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo), é preciso que o futuro governador leve em conta o trabalho dos peritos para que a população não seja prejudicada. “Não fomos procurados em nenhum momento”, critica Becker.

    Para ele, é preciso que a perícia seja feita de maneira imparcial para que crimes não sejam cometidos como “nos moldes do passado”. Como exemplo, Becker lembra o escandaloso caso do jornalista Vladimir Herzog, que foi morto durante a ditadura militar, mas que teve sua morte dada como suicídio e um laudo assinado por um perito que não fez seu trabalho de análise de forma honesta.

    Confira a entrevista de Eduardo Becker concedida à Ponte:

    Ponte – Como o sindicato vê a falta de uma nomeação de um representante dos peritos criminais?
    Eduardo Becker – Se ele desconhece como funciona, ele poderia ter chamado alguém para começar a conversar sobre isso. Poderia chamar o superintendente para que ele explicasse como funciona essa estrutura. Se ele não está chamando alguém, o que acontece é que ele está diminuindo o tempo hábil pra antes da posse. A questão é que é preciso conhecer a estrutura, as demandas e fazer algo mais efetivo para melhorar o atendimento da população e as condições de trabalho dos peritos. Estamos com muita defasagem salarial, de prédio. Em Campinas, estamos com denúncia por falta de condições de trabalho…

    Ponte – Como isso iria prejudicar o trabalho de vocês?
    Becker – Quanto mais ele demora, mais dele diminui o tempo da transição entre os gestores. Entre o atual e o futuro gestor. A pessoa que assumir vai ter pouco tempo para montar sua equipe e tudo isso prejudica o próximo. A perícia criminal é o único órgão que produz a prova material, objetiva, que é a mesma no inquérito e no processo. Pensar nisso é investir em algo que traz economia para o Estado.

    Ponte – O governador eleito não procurou vocês para conversar?
    Becker – Não fomos procurados em nenhum momento. É uma preocupação, pois o Estado de São Paulo tem o maior efetivo dos peritos criminais: 20% do País. Com esse efetivo, ele faz 50% do serviço do Brasil todo. Esse é o tratamento que ele está dando aos profissionais que têm tamanha importância para a Justiça. São Paulo sempre foi uma referência na área, mas agora temos vários estados que estão despontado e São Paulo está ficando para trás nisso. Exemplo disso é o Ceará, que criou um parque pericial todo integrado. Enquanto isso, aqui em São Paulo, você não tem raio-x nas unidades pelo estado todo.

    Ponte – Faz tempo que isso acontece?
    Becker – A perícia em São Paulo vem sendo deixada de lado constantemente. Exemplo disso foi a demora da nomeação do nosso efetivo. Isso está sobrecarregando o funcionário e você causa doença nesse funcionário, que acaba se afastando. Pro ano que vem, está previsto uma série de aposentadorias. A capital, por exemplo, já tem uma defasagem e isso vai se agravar. Hoje, o pessoal está trabalhando no limite.

    Ponte – Como isso tudo afeta o cidadão?
    Becker – Por exemplo: o trabalho do perito tem dois momentos. O primeiro é aquele que ele vai no local do crime e faz a perícia. O segundo momento é o que ele elabora o laudo. Hoje, com o quantitativo que temos, o perito não tem o tempo hábil para fazer a elaboração do laudo, o que prejudica a sociedade. Além disso, com esse efetivo, você não consegue permitir que o funcionário se afaste pra se aperfeiçoar.

    Ponte – Se o governador eleito não nomear nenhum representante, como isso atingiria a população?
    Becker – Para sociedade vai ser o maior retrocesso que vai ocorrer na Justiça. Hoje, como a perícia é independente, você não vai ter fatos que aconteceram na ditadura, como foi o caso do Herzog, que falaram que ele se suicidou. Você, como perito criminal, não pode ser parcial. O perito trabalha de modo imparcial. O objetivo final é o juiz, que também trabalha de modo imparcial. Isso seria o fim da imparcialidade da perícia. Aí vai ter um órgão que trabalha de uma forma inquisitiva. Vai ser um retrocesso pra população.

    Ponte – Isso poderia aumentar a violência policial?
    Becker – Sim. No caso de violência policial, como você vai colocar o órgão que está sendo investigado para fazer a perícia? Como vai fazer para ser imparcial? Se você não tem uma perícia imparcial, o resultado começa a ser duvidoso e começa e começa a cair em “suicídios estranhos”. O exemplo clássico é o do Herzog. O perito deturpou o que aconteceu. [A nomeação] é importantíssima para manutenção dos direitos conquistados.

    Ponte – Qual seria a sugestão do sindicato para o Doria?
    Becker – Que ele faça a indicação o mais breve possível. Toda mudança de governo gera uma incerteza e, se a gente não sabe quem será o líder máximo, não conseguimos saber quem vai estar abaixo e não sabe quais serão atividades. É um prejuízo para a instituição, pois não tem um gestor que possa, desde já, estar brigando por uma melhora. Temos diversos peritos que poderiam estar assumindo o cargo de superintendência. O mais esperado é algum diretor do Instituto de Criminalística para estar assumindo.

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