Drik Barbosa: ‘Preciso falar sobre o que passo sendo mulher preta’

    Em entrevista à Ponte, a rapper e cantora de R&B fala sobre primeiro trabalho, lançado dois dias depois da morte de Marielle Franco: ‘estão fazendo [esse extermínio] na nossa cara’

    Demorou 10 anos para que Adriana Barbosa, 25 anos, conseguisse gravar o seu primeiro EP, chamado ”Espelho”, que conta com 5 faixas que narram bem a trajetória da rapper conhecida como Drik Barbosa. Além da carreira solo, Drik também é integrante do coletivo de rap R&B Rimas e Melodias.

    A mais velha das 3 filhas de Dalvanise Barbosa e Edinildo Batista, Drik nasceu em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo. Kelly, 22, e Mirella, 8, são as outras duas filhas do casal que veio do Nordeste construir a vida na capital paulista. Apesar da diferença pequena de idade com a irmã do meio, a rapper brinca que a trata como filha. “Cuido da Kelly como se ela fosse minha filha. Ela sempre cantou super bem, então já tinha na cabeça que se um dia eu tivesse alguém para cantar comigo seria com ela. Ela é mais do que backing vocal, é a minha dupla”, conta.

    O apoio da família, relembra Drik, foi fundamental. “Meu pai queria ter seguido o sonho na música também, mas teve que parar para trabalhar e cuidar da gente, porque eu vim muito cedo para a vida deles”.

    Seu caminho no universo do hip hop começou aos 15 anos, quando ela começou a frequentar a “Batalha do Santa Cruz”, uma das competições de rimas mais importantes do rap nacional e que trouxe ao mundo da música nomes como Emicida, Rashid, Marcello Gugu e Flow MC.

    “Eu comecei a fazer rap muito nova, comecei a escrever rap com 15 anos. Conheci o movimento hip hop através da ‘Batalha do Santa Cruz’ e aí eu passei a fazer participações com os meninos lá da Batalha, eles queriam alguém para cantar o refrão, porque eles não sabiam cantar e eles começaram me chamar para cantar”, explica Drik.

    De lá para cá, já são mais de 40 participações musicais, incluindo ‘Mandume’ e “Aos olhos de uma criança”, ambas de 2015, com o rapper Emicida. Aliás, para Drik, gravar “Mandume” foi um divisor de águas na sua carreira.

    Drik Barbosa na Laboratório Fantasma | Foto: Paula Rodrigues.

    “Era um momento que eu tava pensando a minha posição na vida e na sociedade como mulher negra: sim, eu sou mulher preta! Sim, eu preciso falar sobre o que eu passo sendo mulher preta. O que eu passo sendo mulher no rap. Depois desse momento em “Mandume”, eu fui procurar ainda mais conhecer histórias de mulheres negras, as lutas de mulheres negras para a gente poder ter chegado até aqui. Foi um divisor de águas. Eu conheci uma nova Drik depois da Mandume”, conta a rapper.

    Com processo de composição e gravação bem intensos, as cinco faixas de ”Espelho” definem a vida de Drik. A primeira faixa, homônima ao disco, traz um dueto com a rapper Stefanie, e aborda a vivência e o autoconhecimento como mulheres negras. “Banho de chuva”, segunda faixa, é uma composição antiga, que os fãs viviam cobrando Barbosa de gravar. A terceira música do EP é “Inconsequente”, faixa romântica que mostra a importância de se permitir amar e ser amada. A penúltima faixa, e mais empoderada, é “Camélia”, rima que se tornou a favorita de Drik, que traz no nome a flor que simboliza o abolicionismo. A música aborda a mensagem da liberdade e força dos povos negros. “Melanina” é a faixa de encerramento e celebração do EP e traz a participação do rapper Rincón Sapiência. “Espelho” foi gravado no estúdio da Lab Fantasma, gravadora de Emicida, em São Paulo.

    Apesar de ser um local de desconstrução, o universo do hip hop ainda é majoritariamente masculino, por isso as mulheres MC’s ainda brigam por espaço e reconhecimento. Durante a entrevista, Drik lembrou um pouco das dificuldades que ela e outras mulheres enfrentam para se autoafirmar como rappers.

    “Ainda é difícil ser mulher no rap, assim como é difícil ser mulher na nossa sociedade. Tá um pouco menos desgastante, porque outras mulheres já vieram abrindo esse caminho. Estamos lutando para isso, mas é difícil porque o reconhecimento não é tão grande da parte masculina. Infelizmente o machismo é uma coisa cultural. A gente aprende desde criança a ver o mundo dessa forma machista. Por isso, eu acho super necessário sempre falar sobre as minhas vivências e dentro das minhas vivências estão ser mulher preta e ser mulher, com todos os preconceitos e obstáculos que a gente enfrenta”, explica.

    Marielle Franco, presente!

    Claudia da Silva Ferreira, arrastada e morta pela Polícia Militar no RJ em 2014, Maria Eduarda Alves da Conceição, morta com uma bala perdida aos 13 anos em uma escola no RJ em 2017, e João Victor, morto na porta do Habib’s, em São Paulo, aos 13 anos em 2017, são alguns dos nomes que aparecem nos versos da rapper. “Espelho” foi lançado no dia 16/03, dois dias depois do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Pedro Gomes. “São coisas que a gente sabe que acontece, mas estão fazendo na nossa cara mesmo, foi muito na cara mesmo. Não só para nós que já vivemos isso no dia a dia e já vemos isso, mas para todo mundo”, desabafa Drik.

    No fim de semana seguinte à morte de Marielle, o coletivo Rimas & Melodias se apresentou no SESC Campo Limpo, extremo sul da cidade de São Paulo, e todos os discursos entre as músicas foram dedicados à vereadora. Drik relembrou esse momento durante a entrevista à Ponte. “Foi chocante saber da morte terrível da Marielle. Eu estava triste e com uma reflexão muito forte, de entender o que eu queria que a minha música passasse nesse momento. A gente como mulheres e mulheres pretas subindo no palco, passando a nossa mensagem, fazendo com as pessoas reflitam através da nossa mensagem e podendo falar sobre a Marielle entre as músicas, e tem músicas que falam sobre essa luta também, foi muito forte. Foi chocante, não tem como definir isso”, conta.

    Entre as bandeiras defendidas por Drik, dentro e fora da música, estão a liberdade feminina, principalmente para mulheres negras, a luta contra o racismo e a homofobia. Para Barbosa, a vivência por si só já pode ser definida como feminismo. “Eu sou uma mulher e quero os meus direitos básicos. Então não tem as minhas músicas não serem feministas. Por mais que muita gente ainda não tenha entendido o sentido de feminismo, o que é muito triste, a gente mostra de uma forma diferente na nossa música. A nossa vivência é feminista, sabe? Quando eu saio na rua eu sou feminista. Quando eu incentivo uma irmã eu sou feminista. Quando eu chego no cara e falo ‘não é assim que tem que tratar me tratar uma mulher’ eu sou feminista”, conta.

    Sobre sonhos, a rapper fala em esperança de viver numa sociedade melhor. “A minha forma de contribuir é com a minha música e com as minhas ações no dia a dia, não só como eu trabalho com a música. Eu sempre falo sobre essas questões porque a gente tá vendo gente morrer por conta da homofobia, por conta do racismo, do machismo, e a gente não pode simplesmente se calar”, afirma.

    Colaborou Larissa Darc.

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