‘Ele não nos enxergou’, diz liderança quilombola do RS sobre fala de Lula sobre negros

Presidente afirmou não saber que estado tinha tantas pessoas pretas. Declaração reflete política de esquecimento, diz Geneci Flores, na 5ª edição do Festival FALA!

Liderança quilombola Geneci Flores | Foto: oguh_1/divulgação

Uma fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou Geneci Flores, 46 anos, decepcionada. Em visita a São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em 15 de maio deste ano, Lula afirmou que não sabia que o estado tinha tantas pessoas negras. Para a liderança quilombola, que participa da 5ª edição do Festival FALA!, a frase reflete um esquecimento em relação às demandas do povo preto e pobre do estado. “Ele não nos enxergou”, diz.

Lula discursou no estado em meio à enchente que matou 182 pessoas e deixou milhares de desabrigados. Segundo o jornal GZH, três meses e meio após as chuvas, 2.514 pessoas seguem sem ter onde morar.

Entre os desabrigados, conta Geneci, há muitos quilombolas. Liderança do quilombo Flores, localizado no bairro Glória, na zona Sul de Porto Alegre, ela conta que além dele, outras duas áreas quilombolas estão localizadas na região: os quilombos Santa Luzia e Alpes.

Geneci diz que a água destruiu 30% dos quilombos urbanos de Porto Alegre. Mas a destruição não se limitou a esses locais. Negros e pobres moradores das vilas (forma como a liderança se refere às favelas) também foram atingidos.

Em entrevista à Ponte durante o festival que acontece em Belém (PA), a liderança se disse preocupada com o esquecimento das causas e lutas quilombolas refletidas no discurso presidencial. “Ele tinha que estar menos no Planalto e mais nas periferias, nas comunidades. Foram esses lugares que votaram nele”, afirma.

Segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 30% da população do Rio Grande do Sul se autodeclara negra. 

Há décadas, conta Geneci, comunidades quilombolas do estado se mobilizam junto ao governo federal. A busca por titulação ocorre desde os dois primeiros mandatos de Lula.

Em 2009, a Terra Quilombola Família Silva, em Porto Alegre, foi o primeiro quilombo urbano do país a ser titulado. O reconhecimento findou tentativas de ocupação do terreno por empresas e pessoas que se diziam donas da área.

Abordagens policiais

O quilombo urbano Flores nasceu com a mobilização de Adão Fausto Flores da Silva, pai de Geneci. Adão vivia em um quilombo rural na cidade de Bom Retiro do Sul, no interior gaúcho. Mudou-se para Porto Alegre na juventude. Ali, com a mulher e cinco filhos, constituiu o quilombo Flores. Em 2017, a família Flores foi reconhecida pela Fundação Cultural Palmares como remanescentes quilombolas.

Geneci conta que cresceu cercada pelo preconceito. Suas lembranças da infância são povoadas por abordagens policiais constantes aos irmãos mais novos. Quando a dupla ficava no ponto de ônibus aguardando o retorno da mãe após o trabalho, era constantemente revistada.

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Cinco famílias moram atualmente no quilombo Flores. O sonho de Geneci é que seus três filhos e o neto de 8 anos possam envelhecer ali. 

O que diz o presidente Lula 

A Ponte procurou o governo federal, mas não teve retorno. Caso haja resposta, a reportagem será atualizada.

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