‘Ele saiu para fazer um lanche e foi assassinado’, diz mãe de lavador morto na chacina de Manguinhos

Julio de Assis dos Santos, 19, foi morto durante operação da Polícia Civil nesta terça-feira (12) na zona norte da capital fluminense; “eu perdi meu pai, minha irmã e agora perdi meu filho”, lamenta Lidia Assis

Julio de Assis dos Santos tinha 19 anos e era lavador de carros: “era tudo para mim”, lamenta mãe | Foto: arquivo pessoal

A ambulante Lidia da Silva de Assis, 40, tremeu quando pegou o celular, na manhã de terça-feira (12/7). Tentou buscar pelo filho, o lavador de carros Julio de Assis dos Santos, 19, quando começou a ouvir um tiroteio na comunidade de Manguinhos, na zona norte da capital fluminense. “Eu liguei para ele, mas ele não atendeu”, diz, em lágrimas. Em seguida, recebeu uma mensagem de uma colega de trabalho do rapaz: “seu filho tá na UPA (Unidade de Pronto Atendimento)”.

Ela correu para unidade médica. “Os policiais não deixavam quem era família entrar, só depois de um tempo, que eu mostrei a foto do meu filho no celular, deixaram”, lembra. “Eu perguntei para a moça [da UPA] se meu filho estava vivo porque parecia que ele estava dormindo. Ela falou assim ‘eu tirei o pulso dele já, ele morreu, está sem pulso'”.

Julio foi uma das vítimas de uma chacina realizada durante operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro. “Eu vi muito corpo, família trazendo em picape, em carrinho de mão. Aquilo foi um massacre”, lamenta. Naquela manhã, Lidia conta que ele tinha saído cedo de casa, como fazia todos os dias, para trabalhar em um lava-jato na Rua Leonardo Bulhões. “Meu filho não era bandido. Ele saiu do lava-jato, saiu para fazer um lanche. Nesse lanche que ele foi fazer, assassinaram meu filho, sem dó nem piedade”, denuncia. “Eu perdi meu pai assim, eu perdi minha irmã assim e agora eu perdi meu único filho homem assim”.

O jovem queria servir ao Exército. “Era o sonho dele, mas tinha excesso de contingente, então ele não foi chamado, e como eu trabalho de camelô, nem sempre a gente consegue juntar muito dinheiro, então ele me ajudava a comprar um arroz, um feijão, uma mistura. Ele sempre trabalhou porque eu criei meus filhos para se espelharem em mim: eu nunca roubei, eu sempre trabalhei de sol a sol, e era isso que eu ensinava”, conta.

Lidia não sabe quem tirou a vida de Julio, mas acredita que foi a polícia. “Todo mundo está dizendo que a polícia entrou na comunidade atirando e os moradores começaram a correr”, afirma. “Uma menina que socorreu meu filho disse que os policiais não deixavam socorrer. Meu filho pedia socorro, falava ‘chama a minha mãe’. Ela conseguiu levar ele na moto, segurando as tripas dele”, declarou, abalada. “Ela disse que ele falou para ela ‘se eu não resistir, diz para minha mãe que eu amo muito ela’.”

Cenas de corpos ensanguentados sendo carregados por policiais e moradores foram registradas e divulgadas em redes sociais, mostrando o desespero das pessoas que vivem em Manguinhos. A Polícia Civil informou que agentes da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) foram prestar apoio à equipe de Esquadrão Antibomba que foi atacada e que também foi alvo de disparos. A secretaria cravou que “seis criminosos morreram em confronto” e “dois se entregaram e foram presos em flagrante” e houve “farta apreensão de material da facção de tráfico de drogas que atua na localidade”.

Lidia junto com o filho Julio: “eu perdi meu pai assim, eu perdi minha irmã assim e agora eu perdi meu único filho homem” | Foto: Reprodução

A assessoria da Secretaria Municipal de Saúde confirmou que cinco pessoas baleadas foram levadas à UPA de Manguinhos. Todas morreram e a pasta disse que as vítimas chegaram ao local sem identificação.

Nem a Polícia Civil nem o governador Claudio Castro (PL), que é pré-candidato ao pleito de 2022 e elogiou a ação, comentaram sobre as imagens de policiais da Core transportando corpos em lençóis e outros jogados na caçamba de uma picape, sem qualquer cuidado com as vítimas ou informação de que elas estavam ou não vivas.

Já o Ministério Público Estadual declarou que “ação policial, de acordo com as informações prestadas pela Polícia Civil, foi decorrente de ataque de criminosos a equipe de policiais que passava nas proximidades da comunidade de Manguinhos” e que “nessas circunstâncias, todos os fatos serão posteriormente investigados pelo promotor natural de forma independente e isenta, incluindo o desfazimento de locais onde tenham ocorrido eventuais crimes”.

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Lidia é uma das famílias que foram acolhidas pela Ouvidoria da Defensoria Pública. “Se eu não tivesse apoio, eu não estaria dando a minha cara a tapa para mostrar que meu filho não era bandido. Ele era amoroso, carinhoso, brincava, era tudo para mim”, lamenta.

O que diz a polícia

A Ponte questionou a Secretaria da Polícia Civil sobre a morte de Julio e as investigações da ação em Manguinhos e aguarda uma resposta.

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