Em 25 anos, São Paulo prendeu mais de um milhão de pessoas

    Todos os dias, 300 pessoas vão para a cadeia; preso recebe um número de matrícula que não muda nunca e quanto menor esse registro, maior é o status do detento dentro do sistema, como é o caso de líderes do PCC

    Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola), Lourinaldo Gomes Flor (Véio Lori), Julio Cesar Guedes de Moraes (Julinho Carambola), Pedro Luis da Silva (Chacal), o novato Agnomar Correia de Souza, Maicon Richard Martins Gregório (MK), Mayara Matos Faustino da Silva (Cuca) e Cláudio Barbará | Foto: reprodução

    O número de presos matriculados (que deram entrada) no sistema prisional em São Paulo, nos últimos 25 anos, ultrapassa a casa de 1.150.000 (um milhão cento e cinquenta mil). A estatística passou a valer a partir de 1993, quando a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) criou o programa de registro de matrículas de presos no Estado.

    A numeração não para de crescer pois, segundo a pasta, 300 pessoas são presas por dia no Estado. Mas isso não quer dizer que a população carcerária em São Paulo esteja na casa de um milhão de detentos. Longe disso. As unidades prisionais paulistas subordinadas à SAP abrigavam 231.860 presidiários até o último dia 8.

    A maioria dos matriculados já cumpriu a pena e saiu em liberdade ou então morreu. Quem foi preso novamente ficou com o mesmo número de matrícula. Toda pessoa presa no estado tem, obrigatoriamente, em seu prontuário criminal, um número de matrícula. Ele jamais muda. Mesmo que o preso prove a inocência; seja absolvido e colocado em liberdade; ou volte a ser detido outra ou mais vezes.

    O total de matriculados chegou a 1.150.068 presos no último dia 15 e essa marca é prova irrefutável da política de encarceramento em massa em São Paulo. Se todos os matriculados estivessem atrás das grades daria para lotar 15 estádios do Maracanã, cuja capacidade é para 70 mil torcedores.

    O dono da matrícula 1.000.000 (um milhão) é Felipe Ricardo Fagundes da Veiga, 27 anos, natural de Bragança Paulista. Em 29 de março de 2016, o rapaz foi preso em flagrante sob a acusação de tráfico de drogas. Segundo policiais civis, ele portava 34 papelotes de cocaína quando foi abordado na avenida Vicente Talamino, em Bragança Paulista.

    Veiga foi interrogado e indiciado numa delegacia da Polícia Civil e depois removido para o CDP (Centro de Detenção Provisória) de Jundiaí. Assim que chegou ao CDP, Veiga ganhou calça bege e camiseta branca – o uniforme dos detentos -, além do prontuário com a marca histórica, trazendo a numeração 1.000.0000, sua matrícula no sistema prisional.

    Em 17 de janeiro de 2017, a Justiça condenou Veiga a um ano e oito meses de prisão. O detento de matrícula 1.000.000 cumpriu a pena e foi colocado em liberdade. Porém, não ficou muito tempo na rua e voltou a ser preso pelo mesmo crime em 3 de novembro de 2018. E foi novamente removido para o CDP de Jundiaí.

    Quanto menor é a matrícula de um preso ainda atrás das grades, maior é o status dele em relação à massa carcerária. Os presos com matrícula inferior estão há mais tempo no sistema, e, em geral, desfrutam do respeito dos demais. É o caso de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como o líder do PCC (Primeiro Comando da Capital) e condenado a 330 anos. Marcola foi preso pela primeira vez em fevereiro de 1986. Ele já tinha 18 anos. A acusação: roubar um automóvel Santana com outros parceiros em Pinheiros, zona oeste da capital.

    Documento inédito sobre a prisão de Marcola em 1986

    Em 9 de outubro de 1986, Marcola foi removido da Cadeia Pública do Hipódromo para a Casa de Detenção, no Carandiru, zona norte.
    A partir de 1993, com a criação do sistema de registros de matrícula, ele ganhou a de número 045.465. Nascido em Osasco, na Grande São Paulo, em 25 de janeiro de 1968, Marcola tem 51 anos e sua pena vence em 1º de novembro de 2.318.

    Um antigo parceiro de Marcola é o assaltante de joalherias Lourinaldo Gomes Flor. “Véio Lori”, como é chamado pelos parceiros de crime, é o dono da matrícula 38.824 e, segundo o Ministério Público Estadual, também integra o PCC. Ele pisou pela primeira vez na prisão em 22 de agosto de 1980. Tinha 24 anos de idade. Suas condenações somam 118 anos em regime fechado.

    Marcola e “Véio Lori” foram transferidos, com outros 20 detentos do PCC, para presídios federais, no último dia 13. Junto com eles também foram removidos outros dois presidiários cujo número de matrícula é inferior à casa dos 100.000. Um deles, Júlio César Guedes de Moraes, o Julinho Carambola, considerado o número 2 do PCC, tem a matrícula 085.066.

    O outro criminoso é Pedro Luiz da Silva, o Chacal, matrícula 085.110. Julinho Carambola é o padrinho dele na facção. Já o presidiário Cláudio Barbará da Silva, integrante da cúpula do PCC e responsável pela célula da facção chamada de Sintonia dos Outros Estados e Países, tem no prontuário a matrícula 40.578. Veterano no sistema prisional, Barbará foi transferido para o mesmo presídio onde está Marcola. Ele tem 57 anos, foi preso pela primeira vez aos 22 anos – em 8 de março de 1983 – e sua condenação é de 125 anos.
    Para o PCC, no entanto, não é o número da matrícula ou o tempo de cadeia que indicam a importância de cada preso na maior facção criminosa do País.

    O novato detento Agnomar Correia de Souza, por exemplo, tem a matrícula 611.617 e goza do prestígio dos chefes da organização criminosa. Segundo o Ministério Público Estadual, de sua cela na Penitenciária de Pacaembu, ele era o responsável pela comunicação entre os integrantes do PCC que estão presos com os parceiros nas ruas. Souza foi investigado durante três meses na Operação Transponder, da Polícia Civil, deflagrada no mês passado.

    Ao todo foram expedidos 39 mandados de prisão, sendo que desse total, 14 pessoas já estavam na cadeia e 25 em liberdade. Todos são acusados de envolvimento com o tráfico de drogas para o Primeiro Comando da Capital. Um dos envolvidos é Maicon Richard Martins Gregório, o MK. A matrícula dele no sistema prisional é 746.003.

    Acusada de integrar essa mesma quadrilha de traficantes do PCC, Mayara Matos Faustino da Silva, a Cuca, é dona da matrícula 1.007.076. Procurada pela Ponte, a SAP informou que o sistema de registro de matrícula de presos existe desde 1993 e é continuamente atualizado.

    Segundo a pasta, as matrículas de números 1 a 223 foram utilizadas para teste do sistema no momento de sua criação. Em nota divulgada à Ponte, a SAP informa que à época foi feita a inclusão de presos que constavam nos prontuários disponíveis. A nota diz ainda que o preso de matrícula 224 é egresso da Penitenciária do Estado desde 24 de janeiro de 1961. A SAP não divulgou o nome dele nem o nome do detento de matrícula 1.000.000.

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