Em 7 meses, 6 funkeiros são assassinados em bailes de SP

    Mortes começaram a ocorrer após ‘rolezinhos’ migrarem para bailes a céu aberto, os chamados ‘fluxos’. Cinco casos aconteceram na zona leste

    De abril a novembro deste ano, 6 jovens morreram durante ou logo após deixarem bailes funk na cidade de São Paulo. Todos os casos aconteceram nos chamados “fluxos” – bailes a céu aberto -, para onde migraram os “rolezinhos” após as restrições  impostas para a realização desses encontros em shoppings e parques da capital. Apenas 2 suspeitos, envolvidos em uma das mortes, foram presos. MC’s também foram vítimas. Em 3 anos, 6 cantores, entre eles o Daleste, foram executados no estado de São Paulo.

    “Menor de idade hoje não entra desacompanhado no Shopping Itaquera. Até a minha mãe, que tem 52 anos, tem que apresentar o RG para conseguir entrar comigo”, diz Suzana Silva, de 17 anos. “Quando o shopping chegou [Em Itaquera, em novembro de 2007], pensamos que teríamos mais lazer. Não foi o que aconteceu. Na rua, a gente fica de boa, conversando, dando risada. É a mesma coisa que o ‘rolezinho’. A diferença é que não tem ninguém no nosso pé”, afirma Rafaela Gonçalves, de 19 anos, sobre a migração dos “rolezinhos” dos shoppings para os “fluxos”, nas ruas.

    'Fluxo' em rua da zona leste de SP (Foto: Divulgação/Twitter)
    ‘Fluxo’ em rua da zona leste de SP (Foto: Divulgação/Twitter)

    O termo dos novos encontros vem da música do Mc Nego Blue, um dos símbolos do funk ostentação, chamada “É o fluxo”, lançada em 2012. Em um dos trechos da letra, ele diz: “Vem que hoje a noite promete. Mandei uma mensagem lá no seu ID [número de telefone]. Diz que já tá pronta pra ir no rolê. De vestido pra enlouquecer, e, no lábio, o coro vai comer”.

    Na madrugada de 5 de abril deste ano, Lucas Lima, de 18 anos, um dos principais idealizadores dos “rolezinhos”, foi o primeiro jovem a ser morto durante um “fluxo”, no bairro Cidade AE Carvalho, na zona leste de São Paulo. Segundo a polícia, ele foi linchado após se envolver em uma briga por causa de uma garota. Lima foi encaminhado ao pronto-socorro, onde foi constatado traumatismo craniano. Horas após a entrada no hospital, ele não resistiu aos ferimentos. Até hoje, ninguém foi preso.

    Por volta das 4h do dia 21 de setembro, dois jovens foram mortos na Cidade Tiradentes, zona leste. Juam dos Santos, de 18 anos, levou 6 tiros e morreu na hora. Seu amigo Caio Garcia, de 15 anos,  baleado 4 vezes, sendo que um dos disparos foi na cabeça, também não resistiu aos ferimentos. Ricardo Balvette, de 26 anos, chegou a ser atingido na barriga, mas foi socorrido no Hospital Cidade Tiradentes e, hoje, passa bem.

    Testemunhas das execuções na Cidade Tiradentes afirmaram que os disparos partiram de policiais. Em protesto contra a suposta ação da polícia, cerca de 70 moradores do bairro tentaram invadir o 54º DP (Distrito Policial), atearam fogo em 3 ônibus, incendiaram uma viatura, além de outros 2 veículos. A SSP (Secretaria da Segurança Pública) nega que policiais tenham envolvimento no caso. Para a pasta, a principal hipótese é que tenha ocorrido uma briga entre quadrilhas rivais. Ninguém foi preso.

    As quarta e quinta mortes da série ocorreram na madrugada de 27 de outubro, em pontos diferentes da zona leste da cidade. Leonardo Alvarenga, outro idealizador dos “rolezinhos”, e Kevin dos Santos, ambos de 16 anos. Testemunhas disseram que Santos foi alvejado 2 vezes, pelas costas, durante um “fluxo” no Conjunto Habitacional Inácio Monteiro. A PM (Polícia Militar) afirma que os disparos saíram de dentro de um veículo que passou na rua no momento do baile. Nenhum suspeito foi identificado.

    A execução de Alvarenga aconteceu na avenida Jacu-Pêssego, na região de Itaquera. Ele foi morto pelo próprio amigo, o funileiro Leonardo Pereira, de 18 anos, enquanto “brincavam” com uma arma calibre 38. No primeiro depoimento à polícia, Pereira afirmou que eles haviam sido vítimas de um assalto. Após a perícia comprovar que o disparo partiu de dentro do veículo onde os dois estavam com outros 4 colegas, ele confessou o crime. A arma é de Robson Lopes, de 30 anos. Pereira e Lopes foram presos – os únicos detidos de todos os crimes contra jovens funkeiros.

    O caso mais recente ocorreu na madrugada de 8 de novembro, no bairro do Limão, zona norte. O cabeleireiro Régis da Silva, de 22 anos,  morreu ao tentar apartar uma briga que aconteceu em um “fluxo”. Segundo a SSP, um estudante de 17 anos, amigo de Silva, foi tentar separar uma briga. O menor foi empurrado contra a parede por uma das pessoas envolvidas na confusão. Com isso, o cabeleireiro tentou protegê-lo. Silva levou uma rasteira, bateu a cabeça no chão. Quando o resgate chegou, ele já estava inconsciente. Nenhum suspeito foi identificado.

    O “fluxo” na lei

    A alternativa encontrada pelos jovens virou motivo de discussão na Prefeitura de São Paulo. Com o decreto regulamentado pelo prefeito Fernando Haddad (PT), validado em 1º de janeiro de 2014, quem mantivesse o som do carro em volume alto na calçada ou na rua poderia levar multa de até R$ 1 mil e, em caso de reincidência, R$ 4 mil. Os “fluxos” se enquadram na lei anti pancadões porque, normalmente, há música alta, além de ruas completamente lotadas.

    Haddad, no entanto, vetou no dia 8 de janeiro o projeto de lei. Na justificativa para o veto, publicada no “Diário Oficial”, o prefeito afirma que “o funk é uma expressão legítima da cultura urbana jovem, não se conformando com o interesse público, à toda evidência, sua proibição de maneira indiscriminada nos logradouros públicos e espaços abertos”.

    A PM afirma que há 400 “fluxos” mapeados onde existem queixas com frequência na cidade. Os que não estão na periferia, se encontram próximos de universidades. Os limites de ruído são os mesmos definidos pelo Psiu (Programa de Silêncio Urbano). Em áreas residenciais, o limite é de 50 decibéis, das 7h às 22h. Durante a noite, o limite é de 45 decibéis.

    Em meio ao boom dos “rolezinhos”, entre o final do ano passado e o começo deste ano, os jovens fecharam um acordo com a prefeitura, MPE (Ministério Público Estadual) e representantes dos shoppings centers. Ficou acordado que os encontros seriam agendados e transferidos para os estacionamentos dos centros comerciais.

    “Depois disso, perdeu a graça. Acharam que a gente é tipo gado. Fui no primeiro organizado e foi muito ruim. Todo mundo apontava o dedo pra gente: ‘ó lá, os moleques que zoaram tudo aqui’. Por isso perdeu força. A gente só queria se divertir”, afirma Caio Matheus, de 18 anos.

    Rolezinhos no parque Ibirapuera também chegaram a ser organizados pela administração municipal.

    Em três anos, seis MC’s foram executados no Estado

    MC Felipe Boladão, DJ Felipe da Praia Grande, MC Duda do Marapé, MC Primo, MC Careca e MC Daleste. Funkeiros reconhecidos, todos eles foram assassinados de maneira parecida, entre 2010 e 2013. Os 4 primeiros, no litoral de São Paulo. Até hoje, a polícia não solucionou sequer um caso. A SSP afirma que os crimes continuam sendo investigados.

    Em 10 de abril de 2010, Felipe Boladão e Felipe da Praia Grande se preparavam para ir do litoral até Guarulhos, na Grande São Paulo, onde fariam um show. Enquanto aguardavam uma carona na Vila Glória, um homem disparou de cima de uma moto contra os 2  e fugiu. Os funkeiros foram socorridos, mas não resistiram aos ferimentos.

    Um ano depois, no dia 12 de abril de 2011, Duda do Marapé foi alvejado no centro de Santos. Ele levou 9 tiros à queima-roupa. Testemunhas afirmaram, à época, que 2 homens o executaram, também de cima de uma moto.

    Em 19 de abril de 2012, Primo levou 5 tiros enquanto dirigia em São Vicente. Ele estava com seus 2 filhos, de 5 e de 9 anos. Os atiradores estavam em outro carro e encapuzados, segundo a polícia. No dia 28 de abril do mesmo ano, Careca, que já havia recebido ameaças dias antes, foi assassinado no Conjunto Habitacional Dale Coutinho, também em Santos.

    MC Daleste morreu na noite de 6 de julho de 2013, em Campinas, enquanto fazia um show em uma festa julina no bairro San Martin. Mais de 5 mil pessoas acompanhavam a apresentação. Atingido no tórax, ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos.

    O único MC que sobreviveu a um ataque foi Neguinho do Caxeta, baleado enquanto dirigia em São Vicente, litoral de São Paulo, em junho de 2012. Seu carro ficou com mais de 15 perfurações de bala. Ele foi atingido mais de uma vez. No hospital, conseguiu se recuperar.

    Da esquerda para direita, MC Felipe Boladão, DJ Felipe da Praia Grande, MC Duda do Marapé, MC Primo, MC Careca e MC Daleste (Fotomotagem/Ponte Jornalismo)
    Da esquerda para direita, MC Felipe Boladão, DJ Felipe da Praia Grande, MC Duda do Marapé, MC Primo, MC Careca e MC Daleste (Fotomotagem/Ponte Jornalismo)

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    […] Por: Luís Adorno no, Ponte.org […]

    João Silva
    9 anos atrás

    Onde está a Polícia Judiciária?

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