Racionamento de água e de produto de limpeza, correspondências não entregues e negligência médica estão entre as queixas na Penitenciária de Mairinque (SP)
Desde sábado (25/1), familiares de detentos da Penitenciária de Mairinque, região metropolitana de Sorocaba, interior de São Paulo, cidade a cerca de 72 km da cidade de São Paulo, estão preocupados.
Em carta intitulada “Comunicado aos visitantes” presos denunciam diversas irregularidades. A situação relatada em Mairinque é bem parecida com as denúncias dos detentos das penitenciárias 1 e 3 de Franco da Rocha, na Grande São Paulo.
A superlotação é um dos principais problemas da penitenciária, que tem capacidade para 847 detentos, mas, atualmente, segundo o site da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) de São Paulo, liderada pelo coronel Nivaldo Restivo neste governo de João Doria (PSDB), tem 1.893 pessoas.
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A carta-denúncia descreve sete itens principais que têm incomodado a população prisional e foi enviada pelos presos com o objetivo de pedir auxílio. Em determinado momento, o preso que redigiu a carta utilizou a expressão “constrangimentos morais” para definir o que estaria acontecendo dentro da penitenciária: racionamento de água, limitação de produtos de limpeza, negligências médicas (com denúncia de dois óbitos), alimentação estragada, falta de suporte jurídico e punições.
“Racionamento de água, sendo ligada 4 vezes ao dia (30 minutos) cada vez que é ligada, não suprindo a quantidade de reeducandos por celas”, diz trecho da carta.
A Ponte conversou com a esposa de um preso que pediu para não ser identificada por temer pela segurança do marido. A confeiteira, de 26 anos, relatou que a situação em Mairinque está “desumana”.
“A condição de lá está insuportável. Imagine só: 37 presos com 30 minutos de água? Isso é falta de humanidade. Eles estão lá pagando pelos crimes, mas desse jeito está insustentável. A situação está parecida com Franco da Rocha, mas está pior. Eu visito meu marido toda semana para levar comida, porque se ele depender de lá, ele morre de fome”, desabafa.
A confeiteira relata que o marido enviou uma carta em 15 de dezembro e até agora, mais de um mês depois, não chegou. “Eu liguei no correio responsável e falaram que não receberam. Para fazer a documentação da carteirinha, eles demoram de 15 a 20 dias para ir buscar. O correio não leva a carta até a penitenciária, mas um agente faz essa função de retirar as cartas, porém eles não estão fazendo isso. Teve gente que mandou a documentação já tem mais de um mês”, afirma.
Produtos de higiene pessoal e limpeza, confirma a mulher, podem entrar apenas uma vez por mês. Se uma pessoa não consegue realizar a visita em um mês, só poderá entregar no outro. “Um mês sem visita é um mês sem receber as coisas, porque um produto básico de higiene, que é um direito dos presos, eles deveriam dar isso. E só pode entrar três sabonetes e duas pastas de dente. Tem que passar o mês inteiro com só isso”.
Quando um preso ou um familiar faz uma reclamação, denuncia a confeiteira, é comum o detento sofrer algum tipo de retaliação. “Aí, se você liga e reclama, eles colocam os presos no poste [gíria para falar da solitária]. Esses dias um moço foi para o poste porque reclamou que não tinha barbeador. Eles falam que só pode entrar uma vez por mês os produtos de higiene, uma vez que a visita não pudesse ir, só poderia levar no próximo mês. Por isso o preso ficou 10 dias no poste”, relata.
Há irregularidades na distribuição de remédios e na alimentação, conforme afirma denúncia. “Negligências médicas constantes com casos de 2 falecimentos na unidade por conta de atendimento… a unidade não tem médico, não desce remédio para uso de rotina, nem é liberado os familiares trazerem”, crava carta.
A alimentação é servida, diversas vezes, azeda ou com pedaços de materiais de construção, conforme denuncia a mulher ouvida pela reportagem. “O meu marido foi comer a comida essa semana e encontrou uma pedra enorme no feijão. O leite que eles dão de manhã tá azedo e de noite tem pedra. Isso quando dão, porque esses dias ficaram mais de um mês comendo uma massa que eles fizeram lá e falaram que era pão”, conta.
“Meu marido relatou que tiveram dias que seguraram o café da manhã e o almoço, aí na janta deram tudo junto. Lá tem casos de gente com pressão alta, com pressão baixa, um monte de coisa e eles não estão nem aí, deixam o dia todo sem comer”, continua a confeiteira.
Por fim, os presos denunciam da falta de atendimento jurídico para os detentos em “situações favoráveis para ir embora, porém sem condições financeiras para colocar um advogado em seus casos”. A denúncia aponta que os defensores públicos destinados para auxiliar os presos da unidade não estão realizando os atendimentos, mas não teria sido informado o motivo.
Outro lado
A reportagem procurou a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) de São Paulo para questionar sobre as denúncias apresentadas pelos detentos da Penitenciária de Mairinque, mas, até o momento de publicação desta reportagem, não havia retorno.
A Ponte também procurou a Defensoria Pública de SP, que, em nota, informou que o órgão acompanha todos os processos de execução penal de detentos da Penitenciária de Mairinque que não possuam advogados particulares, fazendo a defesa técnica e cuidando de outros pedidos cabíveis em favor do preso. Quem atende a região citada na reportagem são os defensores das Unidades Itapetininga e Sorocaba.
Em outro trecho da nota, a Defensoria confirma que tem recebido diversas denúncias de irregularidades como as expostas na reportagem. “Em abril de 2019, foi feito um pedido de providências ao Judiciário contendo diversos relatos sobre questões como falta de atendimento médico, falta de atendimento odontológico, proibição de roupas trazidas por familiares, colchões precários, liberação de água apenas uma vez ao dia por curto período, falta de kit higiente, entre outros aspectos. O pedido de providências menciona diversos casos individuais e foi posteriormente arquivado por decisão judicial. A Defensoria continua trabalhando sobre o assunto e também apurando denúncias preliminares de revistas vexatórias”, aponta o órgão.
Por fim, a Defensoria destaca manter um convênio com a Funap para conseguir suprir a demanda de atendimentos na cidade, já que “por falta de estrutura, não possui Unidade na própria cidade”.
Reportagem atualizada às 14h55 do dia 28/1 para inclusão da nota da Defensoria Pública de São Paulo