Empresa de seguranças que chicotearam jovem pertence à família de PM de SP

    KRP Valente Zeladoria Patrimonial é do grupo do qual o tenente-coronel aposentado Cláudio Geromim Valente é sócio; Justiça decreta prisão de seguranças

    Fachada da unidade do Ricoy localizada na Avenida Yervant Kissajikian | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A empresa KRP Valente Zeladoria Patrimonial, responsável pela segurança do supermercado Ricoy, no qual um jovem negro de 17 anos foi torturado por dois seguranças, na zona sul de São Paulo, tem como proprietária a companheira de um Policial Militar aposentado. Apuração da Ponte conectou Kátia Regina Pelacani ao PM aposentado Cláudio Geromim Valente.

    Kátia é proprietária da KRP Valente, empresa contratada pela rede Ricoy para cuidar da segurança na unidade localizada na avenida Avenida Yervant Kissajikian, região da Cidade Ademar. A empresa integra o Grupo KRP Zeladoria Patrimonial, do qual faz parte a WFV Zeladoria Patrimonial LTDA, esta de propriedade do tenente-coronel aposentado Valente.

    De acordo com o site do Grupo KRP, a empresa atua há 15 anos e presta serviços de portaria, segurança, instalação de câmeras e videomonitoramento, além de limpeza, paisagismo e jardinagem. A descrição indica que tem 250 colaboradores e tem como clientes, além da Ricoy, empresas do ramo imobiliário. O site da empresa tem como titular a KRP e Kátia aparece como responsável.

    Dois desses funcionários, Valdir Bispo dos Santos e David Oliveira Fernandes, amarraram, amordaçaram e agrediram com fios elétricos um jovem de 17 anos. Nesta quarta-feira (4/9), o delegado Pedro Luís Sousa, titular do 80º DP (Distrito Policial), responsável pelas investigações sobre o caso, solicitou a prisão dos suspeitos por 30 dias. A juíza Tatiana Saes Valverde Ormeleze acatou o pedido porque considerou a prisão imprescindível para a investigação policial, se baseando no artigo 1º da Lei 7.960 de 1989.

    Em breve conversa com a reportagem da Ponte por telefone, Santos afirmou que “não fez nada daquilo que estão dizendo”, criticou jornalistas que definiu como “abutres” e concluiu afirmando que, quando possível, “contará a verdade”.

    A reportagem consultou os dados da empresa na Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo) e constatou que a KRP (confira o documento clicando aqui) apenas passou a exercer atividade de zeladoria patrimonial em 2012. A atividade anterior indicada na ficha cadastral era de comércio de brinquedos, peças, acessórios e vestuário.

    Site da KRP em que destaca seus clientes e tempo de serviço | Foto: Reprodução

    Em 2015, a KRP mudou seu endereço para a Avenida São João, número 2375, sala 815, localizada na cidade de São José dos Campos, no interior paulista. A troca ocorreu poucos meses depois que Cláudio criou a WVF Zeladoria Patrimonial (leia o registro aqui) junto com seu Orlando Geromim Valente. Em 2017, Orlando faleceu e no ano seguinte o outro irmão, Alfredo Geromim Valente, passou a ser sócio. Conforme registro abaixo, a empresa tem como “nome fantasia” Grupo KRP Zeladoria Patrimonial e se localiza no mesmo endereço da empresa de Katia, KRP Valente Zeladoria Patrimonial que cuidava da segurança do Ricoy.

    Cadastros das empresas na Receita Federal | Reprodução

    Os documentos de ambas empresas na Jucesp também apontam que o tenente-coronel da reserva e Kátia informaram o mesmo endereço residencial no centro de São Paulo. Kátia tem o mesmo sobrenome de Cláudio em todos os registros na junta comercial. A Ponte tentou entrar em contato com Cláudio e Kátia para saber se foram ou ainda são casados, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. O mesmo procedimento foi adotado com o Grupo KRP.

    É também em 2015 que a empresa de Cláudio, por meio de seu irmão Orlando Geromim Valente, transmite poderes – como fazer transações bancárias em seu nome, por exemplo – a Kátia. A autorização tem validade de 10 anos. A empresa KRP tem em seu logo o R personalizado que remete ao símbolo da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), tropa mais letal da PM paulista, a qual Cláudio exalta em uma foto no seu perfil do Facebook.

    Em agosto de 1995, quando Valente tinha 29 anos e ainda estava na ativa, ele se envolveu na morte de um adolescente de 16 anos, na favela Lacônia 2, conforme reportagem da Folha de S.Paulo. “O crime aconteceu às 11h30. Segundo a polícia, o tenente Claudio Geromin Valente e três outros PMs estariam revistando o menor A.S.F., 16, na favela Lacônia 2, em uma ruela de dois metros de largura, quando a metralhadora Beretta de Valente teria disparado por acidente. A empregada diarista Valdirene Francisco Alves, 19, que estendia roupa na frente de seu barraco, foi atingida. Segundo os moradores da favela, Valente estaria sozinho e agredia o menor a coronhadas. A.S.F. teria se esquivado de um golpe e a arma, esbarrando em seu ombro, teria disparado”, aponta trecho da reportagem da época.

    Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso 16, funcionários públicos, como policiais militares, são proibidos de acumularem cargos remunerados – como chefiar ou comandar áreas em empresas de segurança. Além disso, o artigo 13 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo, em seu item 27, proíbe que o militar da ativa tenha sociedades com fins lucrativos.

    A aposentadoria de Cláudio Geromim Valente foi publicada no D.O. (Diário Oficial) em 17 de fevereiro de 2017, referente ao ano retroativo de 2014. Segundo apurado pela reportagem, a transferência do tenente-coronel do quadro de ativos para a reserva ocorreu em 25 de setembro de 2014. Valente recebeu em julho de 2019 remuneração bruta de R$ 15.624,10, conforme consta no Portal da Transparência do Governo do Estado de São Paulo.

    Segundo o tenente-coronel aposentado Diógenes Lucca, mestre em ciências policiais de segurança, não há problemas em policiais da reserva liderarem empresas de segurança. “Da ativa, não pode nenhum policial. Quem está na ativa pode exercer somente função eletiva, dar aulas, palestras e treinamentos. Isso pode fazer e a lei não estipula qual o tema, pode ser qualquer um. Agora, o policial da reserva não tem mais problema nesse sentido, pode ser sócio. Se está na reserva e constrói uma nova carreira, seja empresa dele ou de terceirizado, não há o menor problema”, explica.

    O tenente-coronel considera que o cargo já exercido por Cláudio não tem quaisquer ligações com o episódio de violência extrema protagonizado pelos dois seguranças do supermercado Ricoy. “Não vejo nenhuma correlação de ser policial com aquilo que os funcionários fizeram”, avalia Lucca.

    Não foi a primeira vez

    Segundo reportagem do Brasil de Fato, outro caso de açoitamento de uma pessoa aconteceu nas dependências de uma unidade da rede de supermercados Ricoy. As imagens obtidas com exclusividade pelo Brasil de Fato mostram procedimento semelhante do adotado pelo episódio que viralizou nas redes nesta semana. Um jovem aparece amarrado e com diversas marcas de chicotadas. A alegação apresentada é a mesma: a vítima teria tentado furtar produtos do estabelecimento.

    A Rede de Proteção e Resistência Contra a Genocídio organizou um protesto, o “Ato contra a tortura e o racismo” que vai acontecer no próximo sábado (7/9), às 11h30, em frente ao supermercado Ricoy na Avenida Yervant Kissajikian, 2078.

    ERRATA: A reportagem havia escrito que Claudio criou a WVF junto com os irmãos Orlando e Alfredo. A empresa foi criada por Claudio e Orlando, sendo que Alfredo passou a ser sócio apenas em 2018. A informação foi corrigida às 8h44 de 06/09/2019.

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