Presidente Prudente – Cerca de 200 pessoas, a maioria jovens com os narizes pintados de vermelho, como palhaƧos, compareceram ao cemitĆ©rio de Rancharia, interior de SĆ£o Paulo, no sĆ”bado (28 de junho), para se despedir da jovem atriz e produtora cultural Luana Carlana de Almeida Barbosa, a Lua, morta na vĆ©spera por tiro desferido por um policial militar.
Lua, que na vida de circo era conhecida como a palhaça Meia Lua Quebrada, tinha recém-completado 25 anos. No caixão, o corpo dela também estava com o nariz pintado de vermelho.
O jogo do Brasil contra a seleção do Chile ainda nĆ£o tinha comeƧado, quando o amigo Luis Valente puxou o āAle Hopā , expressĆ£o usada pelos artistas circenses para indicar o inĆcio de um nĆŗmero. Repetido o grito por todos os que choravam no velório, o caixĆ£o jĆ” estava sendo fechado sob uma salva de palmas, quando a irmĆ£ de Lua, Nara, 21 anos e portadora de sĆndrome de Down, gritou: āViva o Brasilā. NĆ£o era uma ironia.
A morte de Lua aconteceu na sexta-feira, por volta das 9h30, quando ela, na carona de uma moto, passava por bloqueio policial montado na avenida Joaquim Constantino, em Presidente Prudente. A motocicleta era pilotada pelo namorado de Lua, Felipe Barros, de 29 anos. Segundo a polĆcia, Felipe nĆ£o teria obedecido Ć ordem de parada, avanƧando contra a barreira. No boletim de ocorrĆŖncia, consta que a moto andou 300 metros antes de parar.
A versĆ£o do cabo Marcelo Coelho, que fez o disparo, Ć© que foi tudo um acidente. Para ele, que trabalha hĆ” 23 anos na PolĆcia Militar, o capacete do piloto bateu em sua mĆ£o, provocando o tiro. O soldado foi detido no PresĆdio Militar RomĆ£o Gomes, em SĆ£o Paulo. Por poucas horas.
Autuado em flagrante, o cabo foi solto no domingo por um habeas corpus. AtĆ© a conclusĆ£o do inquĆ©rito, ficarĆ” encarregado de trabalhos administrativos no 18o. BatalhĆ£o da PolĆcia Militar de Presidente Prudente.
āQuerem agora culpar o Felipe, mas estĆ” claro que a culpa Ć© de quem puxou o gatilho NĆ£o quero culpar toda a instituição, mas cabe a ela dar uma resposta ao assassinato da minha filhaā, disse Marcos de Almeida Barbosa, 56 anos, pai de Luana e secretĆ”rio de Cultura de Rancharia.
Sorrisos
Olhos verdes, cabelo liso, magra, dentes bonitos, vegetariana, Lua nĆ£o parava nunca. āEra alegre, artista, viva, pessoa do bem, positivaā, descreve o amigo e ator Tiago Munhoz. Estava sempre trabalhando. āDesde assessoria atĆ© lavar o banheiro, ela topava tudo āsempre com um sorriso no rostoā, lembra o amigo e ator Luis Valente.
Formada em Artes CĆŖnicas pela Escola TĆ©cnica da Universidade Federal do ParanĆ”, Lua fez curso tĆ©cnico para produção de cinema e vĆdeo. Atualmente cursava Produção de Eventos na Fatec de Presidente Prudente.
Era atriz e produtora cultural na Federação Prudentina de Teatro e Artes Integradas. Na pele da palhaça Meia Lua Quebrada, atuava no grupo de Circo de Rua Os Mamatches, além de dar aulas no Circo-Escola, que rodava as cidades da região de Prudente. A atividade era voltada principalmente às crianças.
āNĆ£o consigo pensar nos Mamatches sem ela. Como continuar, nĆ£o sei…ā, lamenta Camila Peral, amiga e componente do coletivo de artistas. āTodos os trabalhos que tĆnhamos, todas as dĆŗvidas, era a ela que nós consultĆ”vamosā, disse.
FamĆlia
Luana sempre gostou de ler. Fez balé quando criança e aos 12 anos entrou em um grupo de teatro de Rancharia chamado Pé na Estrada. Ali, descobriu sua paixão. Aos 17 anos, saiu de casa para estudar em Curitiba.
āClaro que tive medo. Mas era o sonho dela, entĆ£o a deixamos ir. O maior prazer da vida dela era estar entre as crianƧas, por isso escolheu ser palhaƧa. O riso das crianƧas era o combustĆvel da vida delaā, lembra o pai.
Luana e Nara eram muito apegadas. A famĆlia nĆ£o sabe como Nara vai reagir ao desaparecimento da irmĆ£. Quando Luana estava em Rancharia, elas ficavam grudadas. E, de vez em quando, Luana levava Nara pra casa dela em Prudente tambĆ©m, para passar o final de semana.
Quanto ao Felipe, eles estavam juntos hƔ alguns meses. Estudavam e tinham projetos de trabalhar em um espetƔculo de Mamulengo. Todos dizem que eles se completavam.
Na última quinta-feira, foi aniversÔrio de 25 anos de Luana. Mas não houve festa. Durante todo o dia, ela e o namorado trabalharam na organização da festa junina da Federação Prudentina, que estava marcada para acontecer na sexta-feira à noite. Não deu tempo. A morte alcançou-a antes.
Sem punição
Os amigos nĆ£o acreditam em punição severa ao policial que fez o disparo. Perguntado se acredita que serĆ” feita JustiƧa, Luis Valente responde logo: āNĆ£o. A PolĆcia Militar Ć© muito corporativista. NĆ£o quero generalizar, mas a responsabilidade Ć© da instituiçãoā.
Para Camila Peral, amiga e componente dos Mamatches, o policial veio da calƧada com a arma apontada para o casal, o dedo no gatilho. āEle assumiu o risco de matar. Esse policial acabou com a vida da Luana, do Felipe, com a vida da famĆlia da Luana e acabou com a nossa vida tambĆ©m. E agora ela nĆ£o vai voltar. O Estado dĆ” a arma na mĆ£o de quem nĆ£o sabe o que fazer com ela, de alguĆ©m que mata qualquer um.ā
Segundo Tiago Munhoz, 36, ator, ānĆ£o havia nenhuma denĆŗncia, nem ocorrĆŖncia que pudesse colocar a polĆcia em alerta e fazĆŖ-la reagir dessa forma truculenta. Isso demonstra um despreparo sem tamanho. Foi uma morte banal, um absurdo. Cabe a mim usar a arte para discutir o que aconteceu. NĆ£o sei o que posso fazer, mas eu vou fazer as pessoas refletirem.ā
Por ter sido registrado como homicĆdio culposo (sem intenção de matar), o crimeĀ estĆ” sendo investigado apenas pela PolĆcia Militar. A arma foi apreendida e deve passar por perĆcia.
[…] e, por isso, ele teve de sacar sua arma. O disparo, que de acordo com o depoimento do policial foi acidental, atravessou o tórax de […]
“O Estado dĆ” a arma na mĆ£o de quem nĆ£o sabe o que fazer com ela, de alguĆ©m que mata qualquer um.ā Nós damos a arma.
[…] da atuação de grupos de extermĆnio ligados Ć polĆcia na regiĆ£o de CarapicuĆba; o caso daĀ atriz e produtora cultural Luana Barbosa, atingida por um tiro durante uma blitz policial no dia 27 …; alĆ©m dos casos deĀ prisƵes abusivas de Alderina FelĆcia dos Santos, 72 anos; Maria Claudia dos […]
[…] da atuação de grupos de extermĆnio ligados Ć polĆcia na regiĆ£o de CarapicuĆba; o caso daĀ atriz e produtora cultural Luana Barbosa, atingida por um tiro durante uma blitz policial no dia 27 …alĆ©m dos casos deĀ prisƵes abusivas de Alderina FelĆcia dos Santos, 72 anos; Maria Claudia dos […]