Encarceramento em massa na Amazônia legal fortaleceu crime organizado, aponta FBSP

Aumento de 67% no número de pessoas presas forneceu mais soldados ao crime organizado e estimulou a taxa de mortes violentas na região, que em 2022 superou em 45% a média nacional, segundo estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Revista em presos na unidade prisional de Altamira, em 17.06.19 | Foto: Susipe/Divulgação

Na Amazônia Legal, o crime cresce quanto mais gente o Estado prende.

Essa é uma das conclusões da pesquisa Cartografias da Violência na Amazônia, lançada nesta quinta-feira (29/11) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O estudo aponta que a taxa de mortes violentas nos estados que compõem a Amazônia Legal — categoria que corresponde a 52% do território brasileiro, incluindo Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão — superou em 45% a média nacional no ano passado.

Os dados da pesquisa apontam que, enquanto no Brasil a taxa de mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes foi de 23,3 mortes em 2022, na Amazônia Legal a média foi de 33,8 por 100 mil habitantes. Em cidades tidas como “urbanas” pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de mortes violentas intencionais foi 52% superior à média nacional, atingindo 35,1 mortes para cada 100 mil pessoas. 

E não foi por falta de repressão do Estado: o encarceramento em massa aumentou 67,3% na região nos últimos dez anos, enquanto a taxa nacional foi de 43,3% de aumento.

E não é que a violência aconteceu apesar das prisões, mas o contrário. O encarceramento em massa ajudou a fortalecer o crime organizado, a partir da chegada de facções criminosas nascidas no Sudeste. Para a pesquisadora Betina Barros, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a consolidação das facções criminosas na Amazônia Legal está diretamente ligada às dinâmicas de funcionamento do sistema prisional. Ela explica que, ao prender cada vez mais, o Estado fornece mais “soldados” às facções. 

“Quando o Estado aumenta a taxa prisional, coloca mais gente para dentro das prisões, em um sistema superlotado, sem as condições mínimas de atendimento, muitas vezes, obrigando os presos a terem que realizar essas alianças para poderem sobreviver dentro do sistema prisional de uma forma um pouco mais digna, ele acaba colocando esses soldados para dentro do sistema”, explica a pesquisadora. 

Ao saírem do cárcere, os que lá dentro se aliam aos grupos criminosos seguem ligados aos interesses das facções. “Quando os presos retornam à rua, porque todos vão retornar em algum momento, eles precisam, em alguma medida, pagar o que foi oferecido e vão fazer isso a partir da aliança e da atuação com as facções já no ambiente da rua. É um sistema que funciona para as organizações criminosas, que impacta no aumento da violência e que parece ser algo ainda pouco discutido, ou pelo menos não se vislumbra muito como acabar com esse ciclo vicioso”, fala Betina. 

Explosão de encarceramento

O estudo aponta que a população privada de liberdade na Amazônia Legal (incluindo os regimes fechado, semiaberto, aberto e em prisão domiciliar) passou de 54.542 pessoas em 2010 para 98.034 em 2022. Em 2012, a taxa era de 210,9 pessoas privadas de liberdade por 100 mil habitantes na Amazônia. Já no país o valor era de 286,1. No último ano, a média na região chegou a 352,8, enquanto no Brasil subiu para 406,9.

Pichação da facção Comando Vermelho no bairro do Curió Utinga, em Belém (PR) | Foto: Acervo do Instituto Mãe Crioula/Reprodução

O levantamento mapeou a atuação de 22 facções, presentes em todos os estados da Amazônia Legal. A área de fronteira com países vizinhos é a mais disputada pelos grupos, mas eles se espalham pelas cidades. Dos 772 municípios da região, 178 possuem facções atuantes e é nestes locais onde vivem 57,9% da população dos nove estados.

Dentro do sistema prisional, a presença das facções também é evidenciada nos massacres nos presídios. Em Manaus, no Amazonas, 56 pessoas foram mortas dentro do complexo Penitenciário Anísio Jobim, conhecido como Compaj, em 2017. 

Massacres também ocorreram em Boa Vista, capital de Roraima, no mesmo 2017 — 33 pessoas foram mortas na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo — e em Altamira, no Pará, em 2019, quando mais de 50 vítimas morreram no Centro de Recuperação Regional de Altamira. 

Atuação incorreta do Estado

Há outro elemento crucial para entender a violência que avança de forma descontrolada. Há na região falta de investigação, peças-chave para o esclarecimento de crimes e redução da impunidade. 

Nos estados da Amazônia Legal, o levantamento mapeou 1.249 delegacias da Polícia Civil, sendo 946 não especializadas e 303 especializadas. Estados como Roraima e Acre têm 53 e 39 delegacias, respectivamente.

Em toda a região, que compreende mais de 5 milhões de km² do território brasileiro, apenas 53 delegacias tem como objetivo investigar a violência letal ou o tráfico de drogas. 

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“Está tudo favorável para que esses espaços sejam tomados ou sejam geridos pelas organizações criminosas, na medida em que não tem um Estado e tem ali uma série de riquezas disponíveis, desde as riquezas ambientais, os recursos naturais, que são de alto valor, desde a própria consolidação dessas rotas de tráfico de drogas, que também tem um valor logístico muito importante para as organizações criminosas”, diz a pesquisadora Betina Barros. 

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