“Criminosos” e policiais estão se matando numa guerra com cujas vítimas ninguém se importa. A sociedade não se importa. O poder observa desde o alto e joga com eles como marionetes
O mundo inteiro se mobilizou depois dos atentados de Paris. #JesuisCharlie se transformou num mantra, num cânon repetido com raiva, dor e até desesperação pelo assassinato dos jornalistas.
Brasil teve no ano passado mais de 50.000 homicídios, mas nem os brasileiros gritaram #JesuisBrasil, de tão acostumados com a tragédia. Só em Cabula, Salvador, 12 pessoas morreram estes dias, em suposta troca de tiros com a Polícia de Rondas Especiais, mas ninguém gritou #JesuisCabula. Fatos muito diferentes, mas que têm o horror como denominador comum.
Por que não se escutam clamores indignados diante de tanta morte cotidiana? Ontem, conversando com um conhecido, encontrei a resposta. Dessas respostas esmagadoras que chegam, contundentes, com todo o peso do sentir da sociedade “Os caras são bandidos, caras da perifeira, ninguém está nem ai com eles. É como policial, quem se importa quando morre um deles?”
Então é isso. A vida tem hierarquias. A morte tem hierarquias.
Eram jornalistas. Eram criminosos. Eram jovens negros da periferia
Uns merecem a solidariedade do mundo. Os outros o desprezo e o silêncio.
“Criminosos” e policiais estão se matando numa guerra com cujas vítimas ninguém se importa. A sociedade não se importa. O poder observa desde o alto e joga com eles como marionetes, como fantoches, rindo a vontade, “que se matem, nós continuamos aqui”. Bandidos de colarinho branco, chefões do tráfico, corruptos de Brasília continuam seus trabalhos. Os donos do poder não se matam e não morrem.
Qual é o sentido desta guerra?
Por que tanta morte de jovens?
Por que os senhores do crime continuam intocáveis?
Queria indignação, mas ninguém tem.
* Esther Solano Gallego é professora da Universidade Federal de São Paulo e coautora do livro “Mascarados: a verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc” (Geração Editorial)