Entidades repudiam indicação de coronel envolvido em massacre do Carandiru para Ministério da Justiça

Indicação causa ‘consternação e revolta’, segundo Agenda Nacional pelo Desencarceramento, e ‘decepção e vergonha’ para membros do grupo de transição; Nivaldo Restivo participou da morte de 111 presos, em 1992, ação que chamou de ‘legítima e necessária’

Coronel Nivaldo Restivo comandou a PM de SP de 2017 a 2018 | Foto: Marcelo Chello/SSP

Em entrevistas à imprensa, o futuro ministro da Justiça e Segurança Pública do presidente Lula (PT), Flávio Dino, tem destacado o compromisso de uma gestão pautada no desarmamento da população, no antirracismo e pelos direitos humanos. “Não basta à Justiça não ser racista, é preciso que ela seja antirracista, ou seja, que ela difunda uma cultura da paz, dos direitos humanos, da igualdade e da lei. A mesma coisa em relação ao feminicídio”, declarou no começo do mês à GloboNews em alusão à uma frase famosa da filósofa e ativista norte-americana Angela Davis.

A contradição entre o discurso e a prática do futuro ministro foi apontada por entidades e movimentos sociais nesta semana após Dino anunciar, nesta quarta-feira (21/12), o coronel Nivaldo César Restivo para comandar a Secretaria Nacional de Políticas Penais. O coronel, que é titular da Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo desde 2019, participou da operação da Polícia Militar que assassinou 111 presos no Pavilhão 9 do Complexo Penitenciário do Carandiru, em 1992, um massacre que completou 30 anos de impunidade. Em 2017, quando foi empossado como comandante-geral da PM, Restivo declarou que a atuação da tropa foi “legítima e necessária”.

A Agenda Nacional pelo Desencarceramento também apontou que Restivo foi indiciado pelo espancamento de 87 presos sobreviventes no âmbito do massacre de 1992, mas não foi responsabilizado porque o crime prescreveu. A indicação, segundo a Agenda, causou “consternação e revolta”.

“O governo Lula, que foi eleito sob a promessa de combater os retrocessos, acaba repetindo, antes sequer de ser empossado e em uma negociação absurda, o mesmo que fascistas, os quais todos nos mobilizamos para derrotar nos últimos anos”, diz trecho da carta. “É Bolsonaro que sempre defendeu a tortura e torturadores, por isso essa indicação de Flávio Dino nos causa, no mínimo, consternação e revolta”.

A entidade afirma que a escolha de um policial militar para um cargo voltado ao sistema prisional reforça uma gestão “militarizada”. “O governo sinaliza descaso com a população mais afetada pela letalidade policial e pelo cárcere, isto é, as pessoas negras e pobres”, declarou.

Criada em 2013, a Agenda propõe medidas como o desfinanciamento do sistema prisional, mudanças na lei para restringir a aplicação de prisões preventivas, o fim da criminalização das drogas e a ampliação das garantias da Lei de Execução Penal.

Até os integrantes do grupo de trabalho (GT) da área de Segurança Pública e Justiça do Gabinete de Transição manifestaram “constrangimento, decepção e vergonha” sobre o anúncio. Em carta dirigia a Flávio Dino, elencaram que a escolha “representa um golpe bastante duro” pelo fato de Restivo carregar no currículo “a participação num dos mais trágicos eventos da história das prisões do Brasil”. No texto, também apontam que “a passagem do Sr. Restivo pela gestão prisional paulista caminhou no sentido diretamente contrário ao que foi proposto por este GT, com declarada ojeriza à democratização da política penal e tendo a Secretaria paulista retroagido em todas as frentes que o relatório do GT defende”.

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A socióloga Camila Nunes Dias, que estuda sistema prisional e integra o GT, disse à Folha que o coronel representa “a concepção de um sistema prisional militarizado” e que o grupo de trabalho publicou relatório com uma perspectiva de humanização, valorização de carreiras e foco em políticas de alternativas penais e atenção ao egresso. “Eu creio que o coordenador do GT [grupo de trabalho], o [futuro] ministro Flávio Dino nem sequer leu o relatório. Eu fico estarrecida, porque tudo o que foi proposto no relatório não tem coerência com essa nomeação. É de um atual secretário que mais encarcera e não é exemplo para os demais”, criticou.

O que diz o Gabinete de Transição

Contestada sobre as cartas, a assessoria do Gabinete de Transição informou que o futuro ministro ainda não recebeu os documentos. “Quando tais documentos forem efetivamente enviados, acompanhados de argumentos e comprovações das alegações, eles serão analisados para uma decisão”, diz a nota.

O que diz Nivaldo Restivo

A Ponte procurou a assessoria da Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo sobre as manifestações de repúdio e críticas à gestão de Restivo e aguarda posicionamento.

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