Entregador é agredido por PMs na zona sul de SP: ‘deram um mata leão e pisaram na minha cabeça’

André Romário de Paula foi abordado enquanto trabalhava por conta de irregularidades em sua moto; motoboy também diz que delegado distorceu versão registrada no boletim de ocorrência

O motoboy André Romário de Paula, 20 anos, foi agredido por policiais militares enquanto fazia entregas para uma padaria, por volta das 11h da última segunda (27/2), no Jardim Vilas Boas, zona Sul de São Paulo. “Me deram um mata leão e pisaram na minha cabeça”, relatou o jovem, que foi parado porque sua moto estava sem placa e com o retrovisor quebrado. O golpe de enforcamento, conhecido como mata-leão, foi proibido de ser usado pelo comando da PM paulista em uma determinação interna em julho de 2020.

Um vídeo feito pelo entregador capta o momento das agressões, iniciadas após um dos PMs montar no veículo e ameaçar levá-lo embora. “Não leva minha moto não, senhor, por favor, eu tenho que trabalhar”, respondeu diante da movimentação da polícia, que reagiu agredindo.

André conta que a moto, uma Honda 160 vermelha, estava financiada em seu nome, mas que ainda não tinha placa. “Eu sei que é errado andar sem placa durante todo esse tempo, o máximo é um mês, mas é muito caro emplacar. São R$ 900 e eu não tinha esse dinheiro, tava trabalhando pra juntar.” Ele diz que em nenhum momento tentou fugir da abordagem policial. Os depoimentos do cabo Valter Diniz Lima e do soldado Lucas Hengel Entringer Soares, colhidos para o boletim de ocorrência, confirmam que “André, ao ser abordado, não esboçou nenhuma resistência”.

O motoboy também não possuía habilitação, pois ainda não havia realizado a prova do Departamento de Trânsito de São Paulo (Detran). Por isso, os PMs ameaçaram apreender o veículo. Nesse momento, segundo depuseram os policiais na delegacia, o jovem teria tentado “subir em cima da motocicleta e tentou sair com a moto, sendo contido”. Mas o próprio vídeo demonstra que um dos policiais estava em cima dela instantes antes de as agressões começarem.

O entregador André Romário de Paula, violentado pela polícia, diz que estava juntando dinheiro para conseguir emplacar a moto, seu instrumento de trabalho | Foto: Arquivo pessoal

O BO tem assinatura do delegado Altamir Galdino e, segundo o documento, as falas de André iriam ao encontro da versão dos policiais. “Fui abordado por policiais militares, que me informaram que minha motocicleta seria apreendida. Nesse momento tentei subir em cima da motocicleta e tentei sair com a moto, sendo contido que, vendo que não conseguiria sair com a motocicleta, fiquei nervoso e ofendi verbalmente os policiais”, registra o boletim.

À Ponte, contudo, o motoboy disse que não confirma o depoimento. Ele conta que tentou segurar a chave, mas não esboçou qualquer sinal de fuga. “Os policiais queriam levar a moto em cima dela, pilotando, todos errados e sem capacete, sem nada, tirando de giro com minha moto [ato de apertar a embreagem para provocar barulho]. Por isso eu tava na minha razão de tentar desligar a moto e pegar a chave, mas em nenhum momento eu tentei subir pra poder sair com ela.”

As imagens demonstram que, quando o policial monta na moto de André, ele insiste para que não seja levada. Em seguida, pergunta para onde o veículo iria. Um dos policiais responde “Diadema” (cidade no ABC Paulista), e então o jovem tenta novamente impedir a saída, aproximando-se. Nesse momento, os PMs começam a agredi-lo. Em nenhum momento, vê-se o entregador tentando subir na motocicleta.

Ainda segundo André, os dois policiais que o agrediram, pertencentes à Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam), não foram os mesmos que o abordaram desde o princípio. Ele diz que a primeira dupla também era da Rocam, mas que o tratou com educação. Depois, teriam chegado os outros dois policiais que o agrediram e mais uma viatura. No BO, os PMs Valter Diniz Lima e Lucas Hengel Entringer Soares não informam que houve a participação de outros policiais e dão a entender que estiveram presentes do início ao fim da ocorrência.

André foi algemado e conduzido à delegacia, onde teve que assinar um termo circunstanciado por desacato. Ele chegou por volta das 12h e relata ter sido mantido em um quartinho, em péssimas condições de higiene, até por volta das 14h, quando sua avó foi buscá-lo. “Quando minha avó chegou pra me procurar, eu ouvi um policial respondendo que não tinha ninguém com meu nome lá. Mas eu ouvi a voz dela e gritei.” Consta, no Boletim de Ocorrência, que esse procedimento ocorreu no 98º Distrito Policial (Jardim Miriam).

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Em relação à moto, ele recebeu um Comprovante de Recolhimento ou Remoção (CRR), mas não foi informado sobre o pátio para onde o veículo seria efetivamente levado. Nesta terça (28/2), o Detran informou à Ponte que a motocicleta se encontrava no pátio do Octógono, em São Bernardo do Campo (também no ABC Paulista).

O que diz a polícia

Desde ontem, a Ponte vem tentando contato com a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), por diversos canais, para responder a questionamentos sobre o caso. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, não respondeu por que os demais PMs não foram mencionados no boletim de ocorrência, não respondeu se as câmeras corporais estavam ligadas no momento da abordagem e nem se as imagens foram consultadas. A SSP também não disse se a Polícia Militar tomou alguma providência para apurar o caso junto aos policiais envolvidos e nem qual o posicionamento da secretaria a respeito do ocorrido.

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