Vítima de abuso sexual por mais de 10 anos desistiu do suicídio depois que uma desconhecida estendeu a mão; em conversas pelas redes sociais, as duas juntas encontraram a cura
Paula* tinha 13 anos quando começou a ser abusada por um tio. Até os 24, ela foi vítima de uma relação baseada em medo, vergonha e insegurança. Embora tenha continuado a sofrer os recorrentes estupros mesmo na idade adulta, Paula se encaixa nas estatísticas desse tipo de violência, que atinge majoritariamente mulheres. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 69,9% dos casos, a vítima é criança ou menor de idade, e que, dentro desses casos, 40% faziam parte do círculo familiar, exatamente como no caso dela.
Durante mais de uma década Paula se via presa em uma situação que sempre lhe causou desconforto, mas da qual simplesmente não conseguia sair por estar do lado mais fraco daquela convivência. Hoje aos 26, ela vive há dois anos distante da realidade com a qual a ainda tem dificuldades de lidar e que relembra com angústia.
“Com o tempo, ele estava me pedindo prova de amor, até eu perder a virgindade com ele. Eu comecei a viver em uma caverna. Ele me violentava e eu achava que era amor da parte dele, mesmo que eu não sentisse o mesmo. Ele me manipulava em todos os aspectos da minha vida”, conta.
Paula afirma que conviver com essa situação a deixava muito angustiada. “[Eu vivia] uma vida de terror, pois eu achava que era de Deus o que acontecia. Porque nenhum outro homem se aproximava”, afirma. Mesmo quando ela arrumou um namorado, o tio continuava os abusos. Nem quando o abusador estava namorando a situação cessava. Até que uma das companheiras dele descobriu e contou a história para todas as pessoas da cidade, no interior do Rio de Janeiro, expondo a jovem. “Expôs falando para todos na internet. Como a cidade é pequena, imagina a proporção?”, diz.
“Eu não denunciei [em uma delegacia] porque cheguei a conversar com uma policial e ela disse que não daria [para prestar queixa] porque eu consentia. Ela não entendia que era abuso, sim. Ele se aproveitou muito de mim. Eu morria todo dia um pouco”, relembra. Segundo ela, até hoje nenhum parente sabe sobre a situação que viveu. Depois que a história veio à tona, com a exposição de uma das namoradas do tio, ela negou para toda a família.
Com todo o drama familiar, Paula chegou a entrar em depressão e a pesar 35 Kg. “Eu sempre fui magrinha. Mas eu pesava menos com 18 anos do que quando tinha 12”, afirma. A virada na vida da jovem veio com dois momentos importantes na internet. O primeiro foi com o vídeo “Não tira o batom vermelho”, da youtuber Jout Jout. O segundo foi quando ela entrou em um grupo exclusivo para mulheres no Facebook, chamado “Desconstruindo os Ciúmes.”
Nesse grupo, uma mulher comentou em uma postagem que queria cometer suicídio por conta de um homem. “Eu fui e comentei que eu estava igual”, afirma. Neste instante surge na vida de Paula a psicóloga Jenneffer Neves Pereira. Ela foi conversar com a jovem e dizer que poderia ajudar um pouco. “A Jennefer conseguiu me orientar com palavras, me passou exercícios para suportar as crises de ansiedade e toda aquela barra”, detalha.
De acordo com Jenneffer, o recado de Paula foi um verdadeiro pedido de socorro. “Ela procurava por uma psicóloga que pudesse conversar com ela. Eu me ofereci para aprofundarmos o contato. Sou psicóloga, mas deixei claro que pelo conselho eu não poderia ajudá-la enquanto profissional. Mas que estaria disponível para apoiá-la no que precisasse”, conta.
Jenneffer também afirma que, como Paula estava em um “estado preocupante” era “impossível virar as costas” para ela. “Como profissional e como mulher fiquei bastante sensibilizada. Eu me sinto grata por ter feito parte da recuperação dela”, comemora
As duas ainda não se conhecem pessoalmente. Uma segue morando no Rio de Janeiro, a outra, em São Paulo. Mas Paula afirma que a ajuda da psicóloga foi fundamental para que ela conseguisse sobreviver a tudo o que passou. Hoje, a jovem está estudando pedagogia e pretende dar aulas. Segundo Jenneffer, as duas ainda combinaram de tomar um açaí juntas quando se conhecerem. “Combinamos de nos conhecer, mas ainda não aconteceu. Fico de longe vendo a vida dela tomar rumo e fico daqui, feliz, torcendo”, comemora.
*Nome trocado para preservar a identidade da vítima