Militantes chegam em caravanas em Brasília, repletos de adereços em homenagem ao presidente e discurso de que ‘a corrupção acabou’ na ponta da língua; à imprensa, aviso em tom de brincadeira: ‘se tentar a sorte, toma tiro’
“Eu estou naquele hotel, como é o nome mesmo? Igual daquela homossexual, cantora… Mercure”, diz a sorridente aposentada Maria da Silva, 73 anos, envolta em uma bandeira do Brasil, maquiada, com um crucifixo brilhante no colo, seguindo para a Esplanada dos Ministérios, onde nesta terça-feira (1/1), Jair Bolsonaro será empossado presidente a partir das 15h. A estimativa oficial é que cerca de 300 mil pessoas acompanhem a posse, repleta de restrições para público geral e para a imprensa.
Dona Maria veio em excursão com um grupo de Curitiba, no Paraná, e pagou R$ 800 reais entre transporte e estadia. “Eu estou muito feliz com esse momento. Agora pouco mesmo eu estava comendo um pastel aqui do lado, de repente passou um grupo e começou a gritar ‘Mito, Mito’ e logo eu já fui no meio da bagunça”.
A aposentada, que votou no Lula “uma vez na vida, contra Fernando Henrique Cardoso, em 1998, como forma de protesto”, não se furta de reforçar que apoia as bandeiras do presidente eleito. “O que a gente quer é que ele faça o Brasil melhor, cuidar desses adolescentes, das nossas crianças, porque estava um anarquismo total. Gente fazendo lavagem cerebral nas nossas crianças”, defende Maria ao se referir ao projeto Escola Sem Partido, em discussão no Congresso e que tem aprovação de Bolsonaro.
Quando questionada se o voto no candidato de extrema direita também foi uma forma de protesto, ela nega. “No dia que ele ganhou, nossa, que alívio. Eu gritei tanto! Tanto. Sabe quando você está com muita raiva e solta isso para fora? Então. Todo mundo gritava e levantava as mãos para o céu”, diz Dona Maria que é católica, mas “não praticante”.
Perto da Torre de TV de Brasília, um grupo de cerca de 30 pessoas com chapéu de cangaceiro, batuques, muito verde-amarelo e até um militante com a máscara do presidente norte-americano Donald Trump caminhava, atraindo a atenção de carros e outras pessoas. O Endireita Fortaleza estava se organizando para vir até Brasília desde antes do primeiro turno e trouxe 50 pessoas para a posse.
“A gente está aqui para finalizar uma etapa, porque a gente estava acompanhando tudo desde o começo”, afirma Leonardo Totti, coordenador do movimento Endireita Fortaleza. Sobre o risco de um ataque durante a cerimônia de posse, Totti é taxativo: “A gente confia nas forças de segurança, sabemos que o espaço aéreo está controlado, existe o comando para abater aeronaves hostis, os mísseis antiaéreos. Tudo vai correr bem”.
Questionado sobre a intenção do futuro presidente de flexibilizar a posse de armas no país, Toti afirma que é um desejo antigo de toda a população. “Hoje a gente tem esse quadro de criminalidade que nos assola, a gente não tem como ter a polícia 24 horas do nosso lado, nem que todo cidadão tivesse um segurança particular pago pelo estado”, explica.
Sobre as denúncias envolvendo o futuro ministro Onyx Lorenzoni, acusado de caixa 2, e Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, filho do presidente, Toti afirma que espera a conclusão das investigações e torce muito para que, caso fique comprovado o crime, Bolsonaro não esteja envolvido. “A gente escuta muita acusação. A grande mídia é tendenciosa, quer gerar cliques, eles querem views, a gente prefere aguardar o posicionamento oficial da polícia, da Coaf, de todas as forças que estão investigando esses possíveis escândalos. Claro que a gente não quer que seja, afinal a gente depositou toda nossa confiança nesse governo. Mas no caso, se for comprovada alguma coisa, a gente espera que o presidente não tenha envolvimento, que seja uma maracutaia”, declarou.
Também integrante do Endireita Brasil, Celina Andrade veio ver de perto a posse de Bolsonaro, com que afirma ter uma longa relação de amizade e admiração. “A gente tem faixa de 2015 falando que queria que ele fosse presidente. A gente estava nesse processo de construir a candidatura dele há 5 anos”, explica Celina que também usa o chapéu de cangaceiro e se orgulha de ter dado um de presente a Bolsonaro.
“Ele estava dando uma palestra e disse ‘daqui a pouco vão me chamar de cangaceiro, só falta o chapéu’. E eu estava na plateia com um chapéu que queria entregar para ele em um encontro VIP na casa de um general que teríamos logo depois. Aí levantei o chapéu. Não tinha sido nada combinado”, diverte-se.
Defensora da castração química para estupradores, Celina afirma que milita sobre isso há muitos anos e volta a defender o presidente eleito no episódio com a deputada Maria do Rosário (PT), em que Bolsonaro, ainda parlamentar, disse que ela não merecia ser estuprada porque era muito feita. “Como ele cria uma lei e está sendo acusado de incitar estupro?”, questiona. Iedja, amiga de Celina e integrante do movimento, também participa da conversa, tece elogios ao presidente e critica o governo anterior. “O grande problema é a ideologia”, conclui.
Um carro branco aborda a reportagem: “Vocês querem camiseta do Bolsonaro? Tá 50 reais”, diz a sorridente moça no banco do passageiro. O casal viu na posse uma oportunidade de negócio e criou a camiseta “Posse do Bolsonaro. Eu fui”.
O clima para a imprensa a algumas horas da posse não anda muito favorável. No ônibus que saiu do CCBB (Centro Cultural banco do Brasil) em direção ao Congresso Nacional, jornalistas e fotógrafos ouviram o seguinte recado de um representante do governo, em tom de brincadeira: não tentem se deslocar na esplanada, não tentem pular grades, não tentem a sorte, vocês vão tomar um tiro”. No instagram, um fotógrafo que vai participar da cobertura, mostrou a chegada à Esplanada: bolsonaristas vaiando os profissionais de imprensa e bradando: “Fora, Globo!”.