Estado é culpado por cegar com bala de borracha Alex, Sérgio e Dayane

    4 fatos e 4 motivos que comprovam que a culpa é do Estado repressor

    Em julho de 2000, o fotógrafo Alex Silveira foi atingido por uma bala de borracha no olho esquerdo disparada por PMs enquanto cobria uma greve de professores. O desembargador considerou o jornalista “exclusivo culpado” pelo ferimento por ter se exposto ao risco de trabalhar em uma manifestação agressiva. Em protesto contra a decisão, jornalistas usarão tapa olho.

    O juízes do caso parecem mal informados. Será que eles conhecem as idas e vindas do Governo de São Paulo na definição de quando a munição deve ser usada? Basta juntar os fatos ocorridos nos últimos 3 anos para percebemos como nem sequer o Estado sabe ainda as circunstâncias adequadas para o uso do equipamento. A indefinição provoca decisões equivocadas dos policiais, como vemos abaixo. Fica evidente que a falta da regulamentação do elastômero (nome técnico da bala de borracha) torna o Estado culpado de induzir escolhas equivocadas de seus agentes de segurança, o que tem causado inúmeras vítimas das balas de borracha. Vamos a alguns fatos:

    1) Em janeiro de 2012, uma menina de 17 anos tomou um tiro na boca de bala de borracha durante a “Operação Dor e Sofrimento” feita pela PM para tentar desocupar a Cracolândia, em São Paulo. A vítima contou na Defensoria que estava sentada na calçada e que o policial a mandou sair. Como se recusou, levou um tiro na boca. Dias depois, a Folha de S.Paulo flagrou PMs disparando contra um grupo de 100 frequentadores do local. Em resposta, o Governo proibiu bombas e balas de borracha na operação. Foi “um erro”, disse à época a secretária de Justiça, Eloisa Arruda, sobre a bala de borracha durante a operação.

    2) Um ano depois, em janeiro de 2013, a estudante Dayane, também de 17 anos, ficou cega depois de levar um tiro no olho em Paraisópolis. Era por volta de 1 hora da manhã quando 5 viaturas chegaram na rua comercial do bairro para interromper o barulho de jovens que ouviam funk. Foram jogadas bombas e tiros de bala de borracha foram disparados nos jovens. Dayane tentou se esconder atrás de uma banca de jornal. Mesmo assim, foi atingida.

    3) Vieram as manifestações em junho de 2013. O fotógrafo Sérgio Silva foi atingido por um elastômero enquanto cobria as passeatas e também ficou cego de um olho. Quando os tiros tiveram início, Sérgio também buscou se esconder atrás de uma banca. A repórter Giuliana Vallone foi vítima no mesmo dia. O PM a viu e disparou em sua direção. Se não usasse óculos, estaria cega. A foto ao lado foi tirada por Diego Zanchetta instantes depois do tiro em Giuliana.

    4) Nesse caso, a repercussão também levou a Secretaria de Segurança Pública a proibir as balas de borracha na manifestação. “Temos que garantir a integridade física dos manifestantes”, disse o governador Geraldo Alckmin. Meses depois, quando ações violentas nos protestos voltaram a agitar a cidade com participação mais ativa de black blocs, as balas de borracha voltaram a ser autorizadas.

    Juntando as peças do quebra-cabeças, pode-se facilmente concluir que Estado é culpado porque:

    1) Há pelo menos três anos, não estabelece um critério claro capaz de definir quando é ou não é adequado usar a bala de borracha. Fica evidente que as circunstâncias para o uso da bala de borracha ainda não foram definidas pela Secretaria de Segurança e pelo Governo. Como os critérios não são claros e dependem das circunstâncias políticas, aumenta a margem para decisões equivocadas por parte dos policiais, como fica evidente nos casos citados acima.

    2) Em vez de negociar politicamente com os manifestantes, o Governo passou para a Polícia Militar o papel de resolver questões que podiam ser tratadas por meio de acordo e diálogo. Delegar para os oficiais a missão que caberia aos políticos é uma mistura de omissão e de covardia política. “Quanto mais age a política, menor a necessidade de polícia”, afirma a pesquisadora Tânia Pinc, da Fundação Getúlio Vargas, oficial da reserva da PM. No caso de São Paulo, a missão de negociar é delegada justamente para aqueles que são treinados para resolver a situação por meio da força.

    3) Em outros países, como Argentina, a regulamentação do uso do elastômero chegou a ser debatido com lideranças da população. Esse debate nunca ocorreu em São Paulo.

    4) Em todos os casos citados acima, a polícia disparou as balas de borracha com o objetivo de dispersar a multidão. Não havia riscos de embates. Qual a necessidade da bala de borracha nessas circunstâncias? Boa questão, que apenas uma discussão franca e aberta pode esclarecer.

    Conclusão. O Governo é culpado por se mostrar incapaz de estabelecer com clareza as circunstâncias adequadas para o uso da bala de borracha. Os juízes são culpados por não levarem em consideração os histórico de indefinições do governo e o consequente despreparo dos policiais para usar o armamento. Se as vítimas têm alguma culpa, parece ser pela baixa qualidade de seus governantes.

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    Roberto Junqueira
    Roberto Junqueira
    10 anos atrás

    Bom, que pese as considerações bastante eloquentes, eu acredito que o Estado (nesse caso representado pela PMESP) também teria suas considerações e também seus argumentos.
    Afinal, o blogueiro é um jornalista e como tal não tem uma opinião isenta. Também não teria um Oficial da PM analisando o caso.
    Por isso, e para isso, há o Poder Judiciário. Nele há (pelo menos se espera) a almejada isenção. O caso foi julgado e um dos lados teria que “perder”.
    Podemos comparar com outros casos, como o Carandiru mesmo… Muitos policiais militares e a grande parcela da sociedade não concordaram com a condenação, mas ela veio e tem que ser cumprida, considerada.
    O que não dá é querer que haja um 4º, 5º poder, forçar uma barra em cima de decisões judiciais. Se há a possibilidade de recurso, que o jornalista corra atrás e tenha uma boa sorte.
    Enfim, essa é minha opinião.

    Hugo
    Hugo
    10 anos atrás

    Cade o protesto contra os blackblocs por matarem o cinegrafista Santiago Andrade com um rojão?

    Roberto Junqueira
    Roberto Junqueira
    10 anos atrás

    Caro Alex Silveira, bom dia e obrigado pela resposta.
    Minha opinião foi justamente em prol da democracia, em que o Judiciário tem papel preponderante e sua soberania nas decisões é fundamental.
    Como qualquer Instituição, o Poder Judiciário é composto por seres humanos, estes que podem errar, ter interpretações equivocadas, como essa que você acha que ocorreu no julgamento.
    Contudo, caso a decisão se mantenha, temos que respeitar, mesmo discordando.
    Como disse no meu primeiro post, eu discordei da decisão do Carandiru… Discordei da decisão do mensalão… discordei da absolvição (pelo júri) dos PMs que executaram o pedreiro na zona sul. Enfim, de muitas decisões.
    Contudo, fora o mensalão, todas as demais ainda tem recurso (remédio contra decisões equivocadas) e nessa, eu desejo toda sorte para o jornalista.
    O que não concordo, como já disse, é a existência de outros poderes. Coisa que a mídia quer ser (exceto a Globo que acredita ser o 1º poder mesmo). Isso sim é uma ameaça democracia.
    Atenciosamente,

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