Estudante reconhece cabo que a deixou cega e tenente que riu dela

    Jefferson Silva de Rossi foi apontado como o autor do disparo e Evandro Reche Nogueira como o PM que negou socorro e debochou da vítima

    Vítima reconheceu tenente Evandro Reche Nogueira como PM que negou socorro e a satirizou | Foto: Divulgação/Facebook

    Um mês após ter sido baleada por um tiro de bala borracha e ter perdido a visão do olho esquerdo, no dia 10 de novembro, a adolescente Gabriella Talhaferro, 16, reconheceu, na sede da Corregedoria da Polícia Militar, os policiais militares que participaram da ação que a deixou cega durante dispersão de um baile funk.

    A Ponte apurou que o cabo Jefferson Silva de Rossi foi apontado como o autor do disparo e o tenente Evandro Reche Nogueira como o PM que negou socorro e riu da adolescente no momento em que ela pediu ajuda. Ambos são do 28º BPM/M. O reconhecimento se deu através de fotos.

    Gabriella foi baleada na madrugada do dia 10 de novembro, enquanto estava em frente a uma adega na Estrada Itaquera Guaianazes, em Guaianazes, bairro no extremo leste da cidade de São Paulo. A jovem, que mora em Itaquaquecetuba, cidade localizada na Grande São Paulo, havia ido com amigos para a zona leste para curtir o baile funk do Beira Rio.

    No entanto, ao chegar ao local soube que o evento não ocorreria devido à presença da polícia desde as primeiras horas da tarde onde seria feito o fluxo. Como não havia mais trem da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) para voltar para a casa, a adolescente permaneceu na região. Ela conta que, no momento em que foi atingida pelo PM lotado no 28º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar/Metropolitano) não havia aglomeração de pessoas na via, refutando a necessidade da ação para dispersar o baile funk.

    Gabriella e sua mãe, a manicure Kelly Talhaferro, 33 anos, estiveram na sede do órgão que regula a disciplina da corporação, no bairro da Luz, na região central da capital paulista, durante boa parte da última segunda-feira (9/12). Elas cobravam que fossem chamadas pelo órgão corregedor, já que a menina, por diversas vezes, confirmou à reportagem da Ponte ser capaz de reconhecer o PM que mirou e atirou em seu rosto de dentro da viatura e um outro que, além de negar socorro, ainda debochou da situação da jovem, que sangrava bastante.

    O trabalho de reconhecimento se deu através de fotos dos PMs do 28º BPM/M que estavam em serviço entre a noite do dia nove e a madrugada do dia 10 de novembro. As imagens foram mostradas em um computador e a adolescente reconheceu o cabo Rossi como autor do disparo e o tenente Nogueira como o homem que se negou a seguir até um hospital.

    “O reconhecimento por álbum de foto também é válido. Evita o constrangimento de esperar para ver todos os PMs do batalhão”, explica o ouvidor da Polícia de São Paulo, Benedito Mariano, considerando dentro da lei e válida a opção para o reconhecimento. As fotografias foram apresentadas sem a presença do nome dos policiais, forma de tornar o procedimento o mais exato possível.

    Gabriella foi atingida no olho quando ia a um baile funk em Guaianazes, periferia de São Paulo | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Conforme apurado pela Ponte, além da jovem, um amigo de Gabriella que estava com ela no momento do tiro também compareceu à Corregedoria e, sem a presença da amiga na sala em que foram mostradas as fotos, também reconheceu os mesmos PMs.

    A reportagem solicitou para a SSP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo), comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), a identificação dos agentes reconhecidos pela vítima, no entanto, os dados não foram fornecidos, mas apuração da Ponte chegou às identificações.

    “No começo estava nervosa porque estava com medo de não lembrar do rosto deles, para não acusar ninguém injustamente. Mas eu tive certeza quando vi as fotos”, disse Gabriella à Ponte. “Eu fiquei aliviada [por lembrar do rosto do PM]. Eu lembrei dele e espero que seja mais rápido de acabar tudo isso. Será mais rápido de ele ser julgado”, desabafou.

    Já sua mãe, que fez aniversário nesta segunda-feira (9/12), afirmou ter sentido um “vazio” durante o reconhecimento, além de ter vontade de chorar. A própria mãe de Gabriella tem afirmado que sua filha é mais forte emocionalmente do que ela em alguns momentos, já que a menina se mantém firme na busca por encontrar os responsáveis pelo dano irreversível.

    “Não tem nada que eu quero mais do que justiça. Os únicos culpados pelo o que aconteceu com minha filha são nos policiais. Eu quero que sejam condenados e presos”, comentou a mãe. A busca da família Talhaferro em esclarecer o motivo do tiro à queima- roupa terá mais um capítulo nessa semana, já que ambas foram intimadas a comparecer ao 28º BPM/M para prestar novo depoimento. “Eu vejo o tenente como uma criança debochada, não como um tenente”, critica a mãe.

    Além disso, Gabriella conta que recebeu o telefonema de uma pessoa que se disse ligada à USP (Universidade de São Paulo) para oferecer tratamento estético para ela, mas que, se for mesmo aceitar a oferta, isso só vai acontecer em 2020, após o processo de cicatrização do ferimento.

    Outro lado

    Em nota, a SSP informou que “todos os fatos relacionados estão em apuração através de inquérito policial militar para entendimento da dinâmica dos fatos e responsabilização envolvidos. Os dados da investigação seguem o sigilo imposto pelo artigo 16 do Código de Processo Penal Militar”.

    A Ponte pediu entrevista com o cabo Rossi e o tenente Nogueira através da assessoria de imprensa da Polícia Militar, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. O mesmo ocorreu com a tentativa, via perfil na rede social Facebook, de ouvir o tenente Evandro Reche Nogueira.

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