Michele Lima afirma que foi demitida por ser negra e Jéssica Silva diz que na entrevista para mesma vaga foi questionada sobre experiência: “você foi auxiliar de limpeza?”
Duas estudantes de pedagogia afirmam que foram vítimas de racismo no colégio particular Escola Perdizes Agnus Dei, no bairro de Perdizes, zona oeste da cidade de São Paulo. Uma delas chegou a estagiar no colégio, mas foi dispensada um mês depois, e a outra não passou pela seleção.
As duas afirmam que as alegações por parte da escola apontavam para o “perfil” delas. Ambas são negras e usam cabelos cacheados. “Lá só tem funcionárias brancas de cabelo liso e as crianças também são loirinhas”, conta Michele Lima, 19 anos, que estagiou no colégio entre setembro e outubro de 2018.
A estudante afirma que antes de ser demitida, chegou a ser avisada pela diretora que “deveria passar uma Mary Kay no rosto porque as crianças estavam reclamando”. Michele conta que, com medo de perder o estágio, seguiu a recomendação da diretora.
Por mais duas semanas, ela se desdobrava para sair cedo maquiada de casa, na região do Grajaú, periferia da zona sul de São Paulo, para atravessar a cidade em mais de duas horas de transporte público para chegar no estágio que, segundo ela, era o que pagava melhor para estudantes que não dominam o idioma inglês. Ela recebia cerca de R$ 1.100 e vale-transporte na época.
No entanto, mesmo usando a maquiagem pedida, um mês após começar o estágio ela foi despedida. Segundo Michele, a dispensa aconteceu por causa de sua cor e de seu cabelo.
“Um dia que teve visita dos pais, uma das crianças soltou da minha mão e saiu correndo. Mas não teve problema nenhum, eu já fui atrás e peguei na mão de novo. Depois disso, fui chamada pela coordenação e disseram que não toleram isso [ter deixado o menino se soltar]. Eu falei que era atitude normal de criança e ela falou que foi uma irresponsabilidade. Em seguida, disse também que o meu perfil não era o da escola, o perfil que a escola atende, e seria bom se eu fosse embora, por isso estavam me mandando embora”, lembra.
Michele afirma que demorou para entender o que tinha acontecido e, a princípio, ficou tentando encontrar seus possíveis erros. A autocobrança se intensificava, segundo ela, devido à sua baixa autoestima. E ela somente percebeu que foi vítima de racismo quando contou para amigas qual que era o perfil hegemônico no ambiente — alunos e funcionários brancos.
Pouco mais de um ano se passou, e a mesma vaga de estágio em pedagogia do colégio foi alvo de episódio com apontamento de racismo. Desta vez, a estudante Jéssica Souza Santos da Silva, 27 anos, afirma que sequer foi selecionada porque tem a pele negra e o cabelo cacheado.
Segundo ela, em janeiro deste ano ela se candidatou à vaga de estágio no colégio e, poucos minutos depois, recebeu um retorno agendando uma entrevista para o dia 14 do mesmo mês. “Fiquei animada, pensando que por terem respondido tão rápido gostaram do meu currículo”.
Chegando na escola, ela disse que a primeira impressão foi de admiração pelo prédio, que é bonito e de alto padrão. Mas, logo começaram os “olhares diferentes” por parte dos funcionários.
Durante a entrevista respondeu algumas perguntas básicas, mas o primeiro constrangimento, segundo Jéssica, aconteceu quando foi questionada sobre a experiência profissional. “A pessoa que fazia a entrevista falou assim: ‘aqui no seu currículo diz que você trabalhou de auxiliar em uma escola, foi auxiliar de limpeza?’”, afirma a jovem.
A estudante diz que respondeu que foi auxiliar de professora e, aparentando duvidar do cargo que exerceu, a entrevistadora começou questionar sobre as funções que ela praticava no antigo emprego. Em seguida, deu um formulário com novos questionamentos para Jéssica preencher e saiu da sala.
Quando retornou, minutos depois, a entrevistadora teria perguntado sobre o cachos dela e dito que aquele tipo de cabelo “é diferente na escola, porque estão todos acostumados a ver cabelos alisados, e não faz muito o perfil de pessoas que costumam ser contratadas”.
Em seguida, Jéssica afirma que foi informada que o processo seletivo para a vaga seria em duas fases, e ela receberia um e-mail informando sobre essa segunda etapa. O e-mail nunca chegou, como a jovem já esperava. “Fiquei triste e confusa, e quando alguém perguntava como foi, eu só dizia que fizeram umas perguntas mas não eu não estava confiante”.
“Pelo fato de conviver com depressão e ansiedade, eu ficava tentando pensar que aquilo não existiu, que era coisa da minha cabeça, na tentativa de não ficar mal”, diz a jovem. Ela teve certeza que foi vítima de racismo quando viu outras pessoas comentando ter sofrido algo semelhante no mesmo colégio.
Outro lado
A Ponte entrou em contato com a escola nesta segunda-feira (10/2). Por telefone, a educadora Rosana Páscoa, diretora e mantenedora da instituição de ensino, informou que trabalha com educação há 4 décadas e que não tolera qualquer tipo de situação como a relatada pelas jovens estudantes. Sendo assim, continua Rosana, ela iniciou uma auditoria interna na escola para entender o que houve e tomar as providências cabíveis.
“A gente tem certeza do nosso trabalho, há 43 anos estamos atendendo no mesmo local. Mas mesmo assim quero fazer uma auditoria interna minuciosa para constatar o que de fato aconteceu. Eu procurei especialistas da rede de ensino para saber qual a melhor maneira de solucionar o fato. Somos totalmente contra qualquer tipo de preconceito: seja de raça, religião, orientação sexual. Isso é intolerante para uma instituição de ensino”, declarou.
Posteriormente, às 15h desta segunda-feira (10/2), o colégio emitiu uma nota em sua página no Facebook na qual reafirma seu “compromisso com a defesa de uma sociedade livre, democrática, socialmente justa e sem preconceitos de nenhum tipo” e desmentem que a escola “tenha agido de forma preconceituosa com uma candidata a estágio”.
Atualização às 19h23 do dia 10 de fevereiro para incluir posicionamento da escola em suas redes sociais.