‘Eu acreditava em reforma, mas hoje milito pelo fim da polícia’, diz ativista

Sara Mokuria, diretora da Building Beyond Policing, vem semana que vem ao Rio de Janeiro para debater desinvestimento policial: “solidariedade internacional é muito importante”

Foto de Sara Mokuria holding segurando um retrato do seu pai, Tesfaie Mokuria | Foto: Divulgação / Texas After Violence Project

O primeiro contato de Sara Mokuria com a violência policial foi muito cedo. Quando tinha 9 anos de idade, viu o pai ser morto por policiais na frente da sua família, em Dallas, cidade do Texas onde mora até hoje. “Eu estava logo atrás dele“, conta, com uma voz doce e compreensiva, que não trai todo o trauma e luto que carrega há décadas nos ombros.

Diretora do Building Beyond Policing (Construindo Além da Polícia, em tradução livre), ONG estadunidense dedicada à abolição policial, ela vem ao Brasil neste mês para participar do Seminário Internacional Desinvestimento e Controle das Polícias, que acontece nos dias 23 e 24 de maio no campus Maracanã da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), na cidade do Rio de Janeiro. O evento é uma realização da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR) em conjunto com a Uerj, e, além de Mokuria, traz nomes como o professor da Universidade Califórina-Riverdale Dylan Rodríguez e da professora da Pontificia Universidad Javeriana, na, Colômbia, Manuela Viana, entre outros. As inscrições gratuitas para os debates podem ser feitas aqui.

Antes de se dedicar à abolição completa da atividade policial, Sara conta que tentou optar por uma abordagem reformista, quando fundou em 2013 o Moms Against Police Brutality (Mães Contra a Brutalidade Policial) ao lado de Colette Flanagan, que havia recém perdido seu filho Clinton Allen em uma ação policial. “Nós conseguimos avanços, conseguimos condenar policiais violentos, mas isso não mudava o sistema como um todo, e a violência policial seguia no mesmo patamar. Foi aí que entendi que apenas um movimento que buscasse abolir a polícia teria efeitos reais”, conta.

“Eu acreditava que era uma questão de mudar o jeito de a polícia trabalhar, mas descobri que a polícia em si é o problema”, explica, lembrando de como o Building Beyond Policing foi fundado: “nós somos uma rede de ativistas e organizações de todos os EUA, focados na 

 abolição policial enquanto práxis política. A rede surgiu a partir de um encontro onde constatou-se que existia já um foco muito grande na abolição das prisões, mas que precisaríamos também focar nas nossas comunidades e como o policiamento funciona nelas”.

Para Mokuira, o fim da polícia não é uma utopia, mas pode ser atingido através de uma série de avanços, e a organização que preside tem um foco muito pragmático em levar conhecimento para as comunidades, enquanto outra parte dos ativistas trabalha com a noção de desinvestimento policial, ou seja, em transformar dinheiro que iria para a polícia em investimento estatal nas regiões que são atingidas negativamente pela violência policial.

Sara e colegas em uma manifestação contra o genocídio na Faixa de Gaza em Dallas: “aprendemos muito com os militantes palestinos” | Foto: Reprodução

“Temos ativistas especializados em educação política, para construir um movimento para erodir o poder da polícia, ativistas especializados em ensinar as pessoas a interromper conflitos e desescalar a violência, gente que ensina segurança em protestos e a tratar de emergências médicas e até ferimentos a bala, ativistas que estão tirando a polícia de dentro de escolas, outros que estão fazendo lobby para investimentos em comunidades e redução do orçamento da polícia”, lista Sara, lembrando que essa é só uma parte da rede que compõe o Building Beyond Policing.

A militante reconhece que o combate à Guerra às Drogas é um importante elemento do projeto abolicionista como um todo, e que isso aumenta mais ainda a importância de eventos como o que ela vai participar no Rio. “Diálogos e a solidariedade internacional são fundamentais para crescermos e para garantirmos vitórias para as maneiras como resistimos e lutamos contra a polícia. Inspiramos uns aos outros de diferentes maneiras, aprendemos muito, por exemplo, da maneira como organizadores e ativistas da Palestina e outros países se organizam, com soluções criativas para combater a repressão policial. É por isso que é importante continuarmos esses diálogos, não só em instâncias práticas, mas também para mudar as políticas de Estado – até porque a vigilância digital está cada vez mais internacionalizada, e isso é uma das instâncias em que a polícia atua. Estou muito animada para voltar ao Brasil”, finaliza.

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