Cristiano Simplício chegou a liderar rebelião no Carandiru e sentenciar pena de morte. Hoje, trabalha para que jovens não sigam o mesmo caminho
Cristiano Simplício, 39 anos. Conhecido no Jardim Brasil, zona norte de São Paulo, como Bea. Ou como aquele rapaz de estatura baixa que “tocava o terror” entre o fim dos anos 90 e o começo dos anos 2000. Ainda menor de idade, começou a traficar drogas. Depois, a roubar.
Foi preso enquanto atacava um banco em Guarulhos, Grande SP, em 1997. Dois anos depois, na cadeia, entrou na facção criminosa que age dentro e fora de presídios em todo o país. Em 2004, conseguiu sair do partido do crime sem represálias por “não dever nada”.
Hoje, trabalha com um vereador da cidade e administra dois projetos sociais na Vila Guilherme: uma casa de atrações culturais e uma escolinha de futebol para crianças. Esta é a primeira vez que um ex-integrante da facção fala com uma equipe de reportagem mostrando o rosto.
O começo no crime
Bea diz que a ocasião faz o ladrão. Por ganância e dificuldades sociais, entrou no tráfico de drogas. Dinheiro fácil, que trazia carro e moto do ano, além de mulheres, segundo ele. “Aí por uma falta de estrutura, acabei caindo pro crime, comecei a vender droga cedo. Fiquei por bastante tempo, comecei vendendo, fui pra gerente, trabalhava do lado do dono, fiquei durante alguns anos assim, foi quando passei pra maior [de idade]. Esse dinheiro já não tava dando pra mim. Conheci outras pessoas que já faziam outras coisas, que é uma quadrilha de um pessoal nosso que roubava banco. Aí do tráfico eu já comecei a roubar banco. Com 17, 18 [anos]. Aí roubamos o primeiro, segundo, terceiro… Ganhei bastante dinheiro, se eu não falar que não ganhei… Passei bastante tempo gastando esse dinheiro que agente roubava no banco.”
A casa caiu
“Só que é uma coisa também que foi muito fácil, né?! Aí eu fui preso. Vim a ser preso em 97. Aí fui passar por esses DP da vida, porque na época não tinha CDP [Centro de Detenção Provisória]. Aí tive que vender carro, vender moto, vender terreno…”. Nos DPs (Distritos Policiais), arrumou confusões. “Eu era muito revolucionário. Via coisas ao qual não se encaixava na nossa ética…”. Até que o transferiram para a Penitenciária do Estado. “Na época diziam que era a de castigo porque ninguém ia embora de lá, só ia de vencida. Fiquei lá dois anos.”
A facção que age dentro e fora dos presídios
“Eu era do comando. Entrei no comando entre 99 a 2004. Nesse tempo, passei pelo caixa, passei pela geral, fiquei na disciplina. Fiz algumas situações dentro da família, ao qual tenho o maior respeito, tenho amizade por vários deles, e a vida segue, né? Onde a gente mora, na periferia, a gente sabe que o poder público não chega, entendeu? Quem chega é a polícia. E chega reprimindo, batendo, matando. Então a comunidade tem que se apegar a um poder maior do que ela… Na polícia ninguém confia mais, entendeu? É um relato que eu faço”, diz.
“Quando eu entrei, em 99, muito sangue teve que ser derramado pra hoje em dia estar do jeito que tá. Sangue de irmão nosso, sangue de um monte de gente que teve que ser derramado. Então hoje eu acredito que, naquela época também tinha, mas hoje é mais inteligente. Naquela época, a paz só era conquistada através da violência. A paz se conquistava através da violência, porque era muita violência. Já foi conquistada a paz. Agora é só saber conduzir”, avalia.
“Aí teve uma mega rebelião em 2001, ao qual parou um montão de cadeia. E eu tava como um dos líderes, que tava na [penitenciária] do Estado, né. Aí dessa mega rebelião, fui pra Presidente Venceslau. Passei o castigo na Presidente Venceslau de 3 meses, que eu não desejo pra ninguém… Aquela época, ainda é, é um sofrido que, é o Texas que dizem… é o fundão, não chega nada. Passei esses três meses. Aí de lá pra cá, por eu ser revolucionário, passei por oito penitenciárias novamente, aí eu já tinha entrado pra uma facção, uma grande facção, uma grande facção ao qual eu fiz parte bastante tempo aí, na qual a gente fez bastante coisa em pró da paz, em pró da Justiça, em pró da Liberdade, que é o que eu tô falando…”
Saiu da facção e está vivo
Deixar a facção que age dentro e fora dos presídios significa morte. Bea, entretanto, contou com o respeito que tinha entre os integrantes da facção. “Fiz um corre, arrumei, tudo, na hora, a pessoa que tinha que me pagar, me pagou em cheque. E o meu negócio é dinheiro, não é cheque. Aí no dia, chamamos numa reunião, conversamos com algumas lideranças, e foi colocado por essas lideranças que eu tava sendo excluído/perdoado. Porque naquela época, exclusão era morte. Então, eu tava sendo exclusivo/perdoado pelo o que eu já tinha feito, pelo o que a gente já vinha fazendo e pelo o que a gente possivelmente podia vir a fazer, e até hoje tô tranquilo. Já tive mais alguns convites de retorno na época, que eu ainda taba no crime, aí hoje em dia já não to mais no crime”, relata.
Cultura e esporte
Atualmente, Bea é gestor cultural na zona norte, trabalhando com mais de 40 crianças. Além de administrar o Casarão Cultural da Vila Guilherme, é diretor de um time de várzea que tem um projeto social para crianças. “Hoje em dia é cultura, é esporte. Hoje em dia o que eu tô fazendo tá da hora, tô vendo sorriso de um montão de criança. Não que as revoluções que eu fiz não foi da hora, foi da hora, só que agora é outra revolução. É uma revolução pra molecada, que tá bonito.A gente faz um trabalho com a criançada de lá, ao qual a gente tem todo o controle de quem tá estudando bem, quem não tá, a gente vai na escola, fala com a professora, se não tiver estudando bem, não joga bola. E é um incentivo porque a molecada gosta muito do time, não do time, do futebol, então a gente colocou isso: não estudou, a gente corta, não respeitou a mãe, a gente corta, não respeitou família, a gente corta, não respeitou mais velhos, a gente corta, e a gente tá conseguindo fazer um trabalho bem legal.”
Psico: o time da quebrada
A reportagem acompanhou uma semi-final do Psico, time de Bea, contra o Broonks, em um campo de terra no Jardim Brasil. “O coração da comunidade é esse time aqui. Quando pega uns rival nosso (sic), igual é esse time aí, ó, aí fica jogo bom. E é final de campeonato. É semi-final. Nosso time tá bom. É um dos melhores. Nós fomos campeões invicto. A gente tem um projeto social, de escovinha de futebol e um projeto de percussão. Tem aula de percussão também. Tem até um pessoal da Vila Madalena que ajuda a gente. Pessoal vem aí, dá uma aula de percussão pra nossa molecada”.
Pros moleques da quebrada, um futuro mais ameno
“Nós temos muito pouco equipamento de cultura, né?! E eu, por ser agente cultural hoje em dia, eu penso bastante na cultura da criançada, né? Se não for pela cultura da criançada, eles vão acabar tomando um rumo ao qual eu mesmo tomei. Não foi legal… Muita gente acaba tomando.”