Ex-PM denuncia agressão de policiais: ‘eles vão acabar me dando um tiro’

    Wagner Aparecido Gonçalves relata que foi agredido em março de 2019 por dois PMs em Santa Adélia (SP) e que é perseguido desde que foi expulso da corporação

    Wagner trabalhou na PM paulista por 20 anos | Foto: arquivo pessoal

    Wagner Aparecido Gonçalves, 45 anos, não imaginava que depois de passar 14 anos trabalhando como policial militar teria medo dos ex-colegas de farda. De 1999 a 2013, Wagner atuou como PM em Santa Adélia, localizada a 382 km da cidade de São Paulo, e Catanduva, a 386 km de distância da capital paulista. Em 2013, fez uma denúncia contra um esquema de furto que envolvia policiais. O resultado foi a expulsão da corporação, além de perseguições e agressões.

    O esquema apontado por Wagner envolvia policiais militares que, segundo a denúncia, sabiam que combustíveis e grãos de soja e milho estavam sendo roubados e eram coniventes com o crime. Os policiais também faziam serviços de segurança na ferrovia. Gonçalves afirma que esses PMs denunciados armaram para que ele fosse investigado de envolvimento no crime e acabasse expulso da corporação.

    Nos e-mails enviados para a Corregedoria da PM, Wagner implorava por ajuda: “venho implorar ao senhor providências sobre esse fato que aconteceu comigo e minha esposa”. A troca de e-mails dura até hoje. O caso é investigado por meio de IPM (Inquérito Policial Militar).

    Wagner alega ter sido agredido por policiais | Foto: arquivo pessoal

    Wagner, que trabalhou na Força Tática, no Choque e na Rota, a tropa mais letal da PM paulista, perdeu o emprego e agora vive com medo. Ele afirma que teve que mudar o trajeto de casa para o trabalho para parar de ser perseguido pelos ex-colegas de farda.

    “Para trabalhar, eu tenho que ir por estrada de terra, escondido, porque eu não sei o que se passa na cabeça deles. Podem muito bem colocar uma arma na minha cabeça e me dar um tiro. Eu sei como funciona”, afirma.

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    O ex-PM conta com saudades que recebeu 12 medalhas e mais de 700 elogios oficiais durante a sua trajetória na Polícia Militar paulista. Como PM, ele mantinha um trabalho voluntário na entrega de cestas básicas em comunidades pobres e brinquedos nos hospitais de combate ao câncer da região.

    “Eu fiz a denúncia por me sentir envergonhado. Quando souberam que fui autor da denúncia, se uniram, os ladrões e os policiais, e armaram contra mim. Fui exonerado da PM e também processado civilmente sem ter cometido crime, enquanto os verdadeiros envolvidos se aposentaram”, disse Wagner à Ponte.

    Desde então, policiais teriam perseguido Wagner de diversas maneiras, principalmente com multas de trânsito e humilhações frequentes em abordagens policiais.

    O ápice das perseguições aconteceu em março de 2019, quando o ex-PM foi agredido junto com a esposa. Segundo Wagner, dois policiais foram responsáveis pelas agressões: o cabo Marcelo de Oliveira e o soldado Alison Mateus Caione.

    “No dia da agressão, eu estava na casa da minha sogra, minha esposa é manicure e estava terminando de fazer uma unha, jantamos e estávamos vindo para casa. Eu passei em uma rua e vi uma viatura parada no escuro, com um policial que faz segurança em uma firma. Na hora que eles me viram passando, me seguiram”, relata Wagner.

    “Eu, como não devia nada, fui andando devagar. Mas eles já chegaram nos abordando e nos dando uma pancada. Começaram a me socar, pegaram a minha esposa pelo cabelo e jogaram por cima da moto, começaram a agredir ela”, relembra.

    Nesse momento, Wagner conta que correu para tentar chamar atenção e desviar as agressões na esposa. O soldado Caione, então, o seguiu. “Eu gritei socorro muitas vezes. Aí ele chegou e me deu algumas coronhadas, que racharam a minha cabeça”.

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    As agressões foram tão fortes, afirma Wagner, que ele desfaleceu. Mesmo desmaiado, ele conta que foi algemado nos pés e nas mãos. O cabo Oliveira continuou batendo em sua esposa, com joelhadas na costela. Ela foi algemada quando tentou morder o policial.

    “Me colocaram na viatura também e nos levaram pra Catanduva, onde tem o plantão. Fiquei quase 4h no ‘chiqueirinho’ da viatura esperando o delegado chegar, não abriram a porta, não me deram água. Eu desmaiei mais umas duas vezes. Tinha sangue para todo lado, misturou com o suor”, conta.

    Depois disso, o ex-PM procurou a Ouvidoria da Justiça Militar, a Corregedoria da Polícia Militar e a Promotoria Militar para denunciar a agressão e as perseguições. Em dezembro de 2019, recebeu como reposta da Ouvidoria Militar que a Corregedoria passaria a acompanhar o caso de perto.

    Em junho de 2017, Wagner perdeu um processo e foi condenado por acusação caluniosa contra dois PMs que ele afirma que o derrubaram da moto: cabo PM Fabio de Souza Arcas e soldado PM Marcos Alex Alves.

    O ex-PM conta que o cabo Arcas também participou da ação de agressão em março de 2019. “Aí os caras falaram que eu tinha agredido eles. Pegaram o pai do cabo Arcas como testemunha. Ele nem viu nada e relatou que eu dei dois socos e um chute nos PMs só para caracterizar resistência, daquele jeito que sempre fazem”, conta.

    Naquela madrugada,ele e a mulher foram liberados da delegacia só 2h e seguiram para o hospital. “Apreenderam o celular da minha esposa, que era instrumento de trabalho dela, e até hoje não devolveram”, lamenta Wagner.

    Para Wagner, a motivação principal para as perseguições é a inveja. “Eu aparecia muito na mídia de Santa Adélia por causa dos meus trabalhos sociais, pela minha atuação na cidade”.

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    O sentimento que fica, explica Wagner, é de tristeza. “Foi a pior coisa [receber esse tratamento de colegas de farda]. Eu não tenho o apoio de ninguém. O próprio comando aqui está contra mim. Nesse fato da agressão, o tenente que estava na ocorrência foi o próprio cara que pediu o arquivamento”, lamenta.

    Wagner também lamenta ter perdido a ação contra os policiais que o derrubaram da moto e ainda ser processado por calúnia. “Eu não consegui provar que eles são culpados. Parece que eu sou o bandido, que as coisas que eu falo não valem. Eu não sei mais onde buscar. Eles vão acabar me dando um tiro, vão falar que eu tava armado e não sei o que, mas eu não ando armado”, garante.

    O que diz a polícia

    A Ponte procurou as assessorias da Secretaria da Segurança Pública e da Polícia Militar de São Paulo para solicitar entrevista com os policiais citados pelo ex-PM, mas não obteve retorno.

    Em nota, a SSP informou que “a Corregedoria da Polícia Militar recebeu a denúncia em dezembro de 2019 e instaurou um IPM [Inquérito Policial Militar] para apurar o caso, que foi encaminhado ao Tribunal de Justiça Militar solicitando a restituição do procedimento para continuidade das investigações”.

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