Exposta na ArtRio 2017, obra de quatro artistas provoca debate sobre injustiça e criminalização da pobreza. Trabalho vendido terá dinheiro doado à família do ex-catador Rafael Braga
Uma obra de arte que critica a seletividade do sistema penal brasileiro, inspirada em dois casos emblemáticos da nossa história recente, está no ArtRio 2017, Feira Internacional de Arte do Rio de Janeiro. A exposição teve início na quarta-feira (13/9) e vai até o dia 17, na Zona Sul do Rio de Janeiro, com 63 galerias nacionais e internacionais.
A obra faz referência ao caso Rafael Braga, ex-catador de latas negro preso desde 2013, na capital fluminense, e ao episódio em que a Polícia Federal interceptou um helicóptero com 445 quilos de pasta de cocaína em uma propriedade rural de Afonso Cláudio, no Espírito Santo, em 24 de novembro de 2013.
O caso envolveu o senador Zezé Perrella e seu filho, Gustavo, deputado estadual, ambos ligados a Aécio Neves, ex-governador de Minas Gerais. A droga vinha de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, a bordo do helicóptero que pertence à família Perrella, não notificada judicialmente.
Os envolvidos neste caso permanecem em liberdade. Gustavo Perrella é Secretário Nacional do Futebol no governo Temer e seu pai obteve liminar que proibiu o DCM (Diário do Centro do Mundo), que cobre o caso, de usar a palavra Helicoca para se referir à apreensão. Em contrapartida, Rafael Braga foi condenado em dezembro de 2013 por portar material explosivo na manifestação de 20 de junho de 2013, no centro do Rio, quando o que levava nas mãos eram dois frascos de produto de limpeza, e novamente preso em 12 de janeiro de 2016, quando estava em regime aberto, acusado de tráfico e associação ao tráfico. Ele foi condenado a 11 anos de prisão em abril deste ano por portar 0,6g de maconha e 9g de cocaína – os policiais sustentam que eram dele, enquanto Rafael garante ser flagrante forjado.
Para fazer uma crítica à diferença com que o Poder Judiciário tratou os dois casos, os artistas Joana Amador, Lourival Cuquinha, Mariana Lacerda e Mariana Sgarioni se inspiraram na obra “Uma e três cadeiras”, de Joseph Kosuth, considerada um marco da arte conceitual, que representa “quase que uma obra-conceito do que é arte conceitual”, como diz Lourival Cuquinha. Assim, o nome do trabalho é “Um e Três menos Um Crimes”. Se a obra for vendida no ArtRio 2017, o dinheiro será doado pelos artistas à família de Rafael Braga.
“Temos principalmente o crime social na obra que é a diferenciação dos acusados pelo poder econômico. Temos 3 crimes que são: usar o neologismo Helicoca, pois foi proibido pela juíza Gabriela Jardon Guimarães de Faria, da 6ª Vara de Justiça Civil do Distrito Federal; colocar um helicóptero de pó pra voar; e portar pinho sol e água sanitária. Para finalizar temos menos um crime que nunca foi julgado, justamente o mais grave deles, e cometido pelo acusado com maior poder socioeconômico, que é transportar 445Kg cocaína num helicóptero”, explica Cuquinha.
A obra apresenta três elementos visíveis:
- a definição verbete adesivada:
helicoca. s.m. de helicóptero e cocaína; aparelho de aviação de propriedade do senador e do deputado estadual, pai e filho Zezé e Gustavo Perrella, empresários em Minas Gerais; o helicoca foi apreendido em novembro de 2013 com 445 kg de pasta base de cocaína, na cidade de Afonso Cláudio, no Espírito Santo; antes, o helicóptero fez uma escala para abastecimento em Minas Gerais, em uma pista de pouso e decolagem na cidade de Claudio, construída durante o governo de Aécio Neves em terreno que pertenceu à fazenda do seu tio-avô.
- um helicóptero de madeira pequeno e coberto de um pó branco, voando amarrado. O helicóptero tem uns 40cm de comprimento.
- um Pinho Sol e uma Água Sanitária numa prateleira (que foi o motivo da prisão de Rafael Braga).
“É uma denúncia. Além da estética, a obra traz uma denúncia estética de uma situação social brasileira. E ainda tem a questão de reverter algum valor pecuniário para a família do Rafael Braga. Então, o que a gente espera é a discussão do tema, da injustiça social que é você ser considerado criminoso por ser pobre, por ser preto, e não pelo que fez realmente”, diz Cuquinha. “Aqui, a radicalidade da definição de crime vai pela situação social do ‘criminoso’. Ou seja, é mais irônico e injusto ainda. Então, o que eu espero é levantar essa discussão e a adesão a uma causa de uma pessoa presa injustamente”, conclui o artista.
Serviço:
Evento: ArtRio 2017
Quando: 13 a 17 de setembro
Onde: Marina da Glória | Av. Infante Dom Henrique, S/N – Glória, Rio de Janeiro – RJ
Horário: de 14h às 19h