Exposição vai levar em fotos, vídeos e objetos de uso cotidiano, uma representação do que era a vida dos detentos do Carandiru. Mostra é desdobramento do livro de Sophia Bisilliat e André Caramante
Objetos da exposição são originais e foram coletados no próprio Carandiru. Fotos: Claudia Belfort/Ponte JornalismoO local não poderia ser mais simbólico, o solar dos Prado, hoje Museu da Casa Brasileira, uma construção neoclássica da década de 1940, onde durante 15 anos, morou o ex-prefeito de São Paulo Fábio Prado e sua esposa Renata Crespi. Localizado em plena Faria Lima, avenida nobre da capital paulista, e a poucos metros do Shopping Iguatemi, um dos templos do consumo de luxo da cidade, o museu abre espaço a partir desta terça, 09/12, para Sobrevivências/uma exposição vivências/Carandiru. A mostra vai levar em fotos, vídeos e objetos de uso cotidiano uma representação do que era a vida dos detentos da Casa de Detenção de São Paulo. O complexo penitenciário que chegou a abrigar mais de 7 mil homens e que foi palco, em 1992, do Massacre do Carandiru, a maior violação de direitos humanos de cidadãos sob custódia do Estado do mundo, quando 111 presos foram assassinados pela Polícia Militar de São Paulo.
A réplica da cela 5407-1 montada na exposição mostra bem como uma casa inteira tem de caber num espaço de 3m x 2,5m. Na porta de ferro, o santo protetor, São Jorge, padroeiro de inúmeras nações pelo mundo, inclusive da corintiana. No canto direito, a imagem de São Miguel Arcanjo, o juiz dos mortos, segura sua balança e um terço azul que alguém lhe colocou no pescoço. À esquerda da porta, uma copa, bule, caneca, pratos, copo de liquidificador. À direita, o banheiro, protegido por uma cortina barata de plástico azul.
Parte dessa casa de pretos e pobres, muitos deles de fato criminosos, outros tantos inocentes, vai ficar até 15 de março de 2015 no solar de arquitetura inspirada no Palácio Imperial de Petrópolis, erguido num Brasil aristocrata e escravocrata, cujos ecos de seu modelo sócio-econômico assentam as causas que empurram negros e pardos para as periferias e para penitenciárias e os brancos para shoppings e prédios neoclássicos.
A exposição, explica a curadora Maureen Bisilliat, é um desdobramento do livro Aqui Dentro, páginas de uma memória: Carandiru, de Sophia Bisilliat e do jornalista André Caramante (Ponte e R7) que registraram, gravaram entrevistas e coletaram objetos dos presos nos últimos anos de funcionamento da Casa de Detenção, juntamente com os fotógrafos e videomakers João Wainer e a própria Maureen. “Frequentamos durante quase dois anos a Casa de Detenção para documentar os últimos momentos daquele que foi o maior presídio da América Latina. Gastamos uns quatro meses somente para para conquistar a confiança plena dos internos e dos funcionários. Depois disso, passávamos horas e horas nas entrevistas com detentos e funcionários, pois podíamos circular sem restrições naquele universo do Carandiru, lembra Caramante.
“Lá dentro você passa a entrar num mundo da revelação, num tempo de sentar. Quando eu gravava as entrevistas em vez de sentir que estava penetrando num mundo alheio, sentia uma solidariedade na solidão”, lembra Maureen que gravou em vídeo mais de 150 horas de imagens e entrevistas. Caramante destaca que foi ali que ele reforçou suas convicções sobre o poder das palavras. “Dona Maureen foi mestra na arte de ensinar a ouvir melhor o próximo, de ouvir mais do que falar. Também foi um período de grande aprendizado sobre a vida no cárcere e também sobre a vida em liberdade. Não era raro encontrar algum jovem detento que tinha crescido na mesma região da cidade que eu ali dentro do Carandiru. Era um amigo de futebol, um colega de escola. Esses encontros da vida me faziam pensar muito nas razões que levaram nossos destinos se cruzarem na Detenção, em caminhos distintos.”
A montagem cênica é Marcos Albertin e está dividida por temas: Limpeza, Comida, Esporte, Religião, Celas, Saúde, Silêncio, Solidão todos ancorados por textos e testemunhos do médico Drauzio Varella voluntário na Casa de Detenção por 13 anos e autor de Estação Carandiru. Depois da exposição, o acervo irá para o Parque da Juventude, complexo cultural erguido onde funcionou o a casa de detenção.
O livro Aqui Dentro páginas de uma memória: Carandiru estará à venda no local.
Serviço:
Abertura no dia 9/12, terça-feira às 19h30
Em cartaz até 15 de março de 2015
Local: Museu da Casa Brasileira
Endereço: Av. Brigadeiro Faria Lima, 2705, Jardins – SP
Horário: De terça a domingo, das 10h às 18h
Grátis
Podia, também, reproduzir o sofrimento das vítimas desses assassinos!