Extrema direita defende policiais apenas por conveniência, afirmam especialistas

Ataque de Roberto Jefferson contra policiais federais mostra que conservadores se opõem aos seus apoiadores quando necessário: “discurso extremamente oportunista”, diz agente da PF

À esquerda, Genivaldo Jesus é morto por agentes da Polícia Rodoviária Federal após ser flagrado andando de moto sme capacete em maio deste ano; à direita, Roberto Jefferson tem conversa amistosa com policial da Polícia Federal após disparar tiros de fuzil e granadas contra agentes da PF | Fotos: Reprodução

A cena de um agente da Polícia Federal conversando cordialmente como o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), após o político ter lançado duas granadas e disparado tiros de fuzil contra outros membros da corporação neste domingo (23/10), gerou revolta em quem é alvo da constante violência policial no Brasil.

A complacência mostrada nas imagens que rodaram a internet difere muito do que ocorre nas periferias do país, principalmente contra a população jovem e negra. Especialistas ouvidos pela Ponte avaliam que o episódio escancara o racismo existente dentro das forças policiais do país e que a extrema direita, que se diz defensora das polícias, se utiliza das tropas por conveniência.

“Tudo aquilo é um absurdo. Começando com o fato de uma pessoa em prisão domiciliar ter armas em casa, inclusive granadas e depois receber policiais da mesma corporação que ele atacou em casa para ficar de papo”, afimra Denis de Oliveira, professor do programa de Pós Graduação em Mudança Social e Participação Política da EACH/USP.

A Polícia Federal foi constituída no atual padrão na Constituição de 1967, em plena ditadura militar. Durante os anos de chumbo a corporação foi utilizada para fins políticos para perseguir opositores do regime. Denis de Oliveira reforça que há muitos resquícios deste período até hoje. “O histórico da PF é muito complicado, remete à ditadura e ainda há uma estrutura política desta época. É preciso rever o aparato da corporação urgentemente.”

Para o advogado criminalista João Coimbra Sousa, as forças de segurança do Brasil seguem a lógica escravagista de perseguição aos negros e de preservação do patrimônio da pessoas brancas. 

“A cena do policial federal sendo cortês com o Roberto Jefferson depois do que ele tinha acabado de fazer é muito simbólica. É manutenção dessa identidade nacional do homem branco de poder quem tem as forças de segurança submissa a ele. A polícia no Brasil não defende quem é honesto e trata o trabalhador como vagabundo ou uma pessoa inferior”, defende.

Entre os agentes da Polícia Federal, o episódio envolvendo o ex-presidente do PTB e aliado do presidente Jair Bolsonaro gerou irritação. Mesmo assim, há dentro da corporação quem divida a responsabilidade do ocorrido com o STF pelo tensionamento político do país.

Deixando claro que não fala em nome da corporação, o agente Pedro Procianoy Schissi, lotado na Superintendência da Polícia Federal do Rio Grande do Norte, avalia que a ação da PF após os tiros efetuados por Jefferson foi exitosa.

“A questão é que todas as prisões e abordagens policiais deveriam ser dessa forma, com respeito a dignidade e aos direitos de qualquer cidadão e não como muitas vezes acontece em lugares periféricos ou contra pessoas historicamente estigmatizadas como pobres e pretos que são vítimas dos abusos da polícia”, argumenta Schissi.

Uma falsa defesa

Eleitos com o discurso da defesa dos direitos dos agentes de segurança, alguns ex-policiais que se tornaram parlamentares se omitiram sobre o fato ocorrido no último domingo (23/10) ou se colocaram contrários à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Morais, que revogou a prisão preventiva de Roberto Jefferson. 

Ao ser questionado durante uma live que fez enquanto o presidente do PTB negociava a sua rendição, o ex-delegado da polícia civil eleito a deputado federal, Paulo Bilynskyj (PL-SP) respondeu a um seguidor que a Polícia Federal não deveria cumprir os mandados de prisão determinados pelo STF. “Ordem iligal não se cumpre”, declarou o bolsonarista.

Diantes de comentários de apoio ao ex-deputado por sua ação contra os agentes da PF que cumpriam o mandado de prisão, o advogado João Coimbra afirma que a extrema direita nunca defendeu de fato as forças policiais e, na verdade, toma proveito do discurso conservador por interesses próprios.

“Os fascistas não têm valores, mas uma perspectiva inversa que abrem mão diante da conveniência. Eles defendem policiais quando estes fazem a contenção popular contra os mais pobres”, critica.

“A defesa da extrema direita aos policiais só existe quando ocorre ações contra jovens negros da periferia. O que vemos são pessoas defendendo um bandido que diz agir a favor da ‘liberdade’. Ninguém se importou com a liberdade de ir vir da Cláudia quando ela foi arrastada por uma viatura no Rio de Janeiro, o com o direito das pessoas que foram mortas na chacina do Jacarezinho”, relembra o professor Denis de Oliveira.

Pedro Procianoy Schissi enfatiza que não houve melhora alguma desde que a direita tomou o poder no Brasil. Ele relembra, que igual a outras categorias de trabalhadores, os agentes da Polícia Federal também sofreram com a reforma da previdência e outros cortes de direitos.

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“O que eles (extrema direita) fazem é um discurso extremamente oportunista. As propostas deles dificultam a vida dos policiais, como a liberação desenfreada de armas para população e a tentativa de flexibilização do controle da atividade policial como a ampliação dos excludentes de ilicitude. Não tivemos ganhos, só perdas”, defende.

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