‘Faltam 11’: comandante-geral da PM de MG faz contagem de mortes de procurados do estado

Coronel Rodrigo Piassi do Nascimento enviou mensagens pelo sistema interno da corporação, nos dias 28 e 29 de agosto, anunciando nomes de dois foragidos que foram mortos de uma lista de 12 alvos

Mensagem do comandante-geral coronel Rodrigo Piassi do Nascimento em sistema interno da PMMG no dia 28 de agosto de 2023 | Imagem: Reprodução

O comandante-geral da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), coronel Rodrigo Piassi do Nascimento, enviou mensagens pelo sistema interno da corporação contabilizando mortes de dois foragidos da Justiça. Para policiais ouvidos pela reportagem sob condição de anonimato e especialistas, as postagens simbolizam uma contagem regressiva explícita que espera que os procurados sejam mortos e não presos.

No dia 23 de agosto, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), do governo Romeu Zema (Novo), divulgou uma lista com nomes e fotos de 12 homens com mandados de prisão em aberto e considerados os mais procurados do estado por estarem envolvidos com crimes como homicídio, roubo, tráfico de drogas e explosão de caixas eletrônicos. A relação total está publicada no site do programa Procura-se, que incentiva a população a fazer denúncias pelo Disque 181.

Na segunda-feira (28/8), um dos alvos da lista, Roberto Carlos Paranhos, de 34 anos, que seria conhecido como “Lázaro de Minas”, foi morto durante uma operação das polícias Civil e Militar na zona rural das cidades próximas a Capelinha, no Vale do Jequitinhonha, interior do estado. Segundo a descrição no site do Procura-se, ele possuía uma condenação superior a 71 anos de prisão, com pena remanescente de mais 61 anos, por homicídio qualificado, roubo majorado, furto qualificado, uso de documento falso e porte ilegal de arma.

De acordo com a PM, após ter sido montado um cerco que durou cinco dias, Paranhos e um outro homem foram abordados em uma moto, mas não obedeceram a ordem de parada e teria ocorrido um confronto de tiros. Os dois morreram.

Naquela noite, às 22h30, o comandante-geral mandou pelo sistema Intranet, que é interno da corporação, a seguinte mensagem:

Durante uma abordagem, o marginal ROBERTO CARLOS PARANHOS (inserido no Programa Procura-se/MG) entrou em confronto com militares da PMMG e foi a óbito, junto com um comparsa. Ainda faltam 11.

No dia seguinte, na terça-feira (29/8), mais um alvo da lista foi localizado. David Benedito Santos Neto, de 29 anos, apelidado de “Murilo” ou “Lerdão”, que era um dos procurados prioritários, foi encontrado morto com marcas de tiros por moradores da Comunidade da Fazendinha, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Segundo o Procura-se, ele possuía condenação superior a cinco anos de prisão, exerceria “liderança entre integrantes de facção criminosa oriunda do Rio de Janeiro, atuante em Andrelândia/MG e região” e suspeito de ser “mandante de crime de homicídio ocorrido em Andrelândia, motivado por disputas pelo controle e domínio territorial de pontos de tráfico de drogas”.

No site do programa da Sejusp, é informado que a morte de David “não tem nenhuma relação com qualquer operação policial realizada pelas forças de segurança do Rio de Janeiro e de Minas Gerais” e que a investigação está a cargo da Delegacia de Homicídios da Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Mensagem do comandante-geral coronel Rodrigo Piassi do Nascimento em sistema interno da PMMG no dia 29 de agosto de 2023 | Imagem: Reprodução

Às 19h10 do mesmo dia, o coronel Rodrigo Piassi do Nascimento enviou na intranet da PM:

O procurado DAVID BENEDITO SANTOS foi encontrado morto no RJ. Agora são 10.

Um policial disse à Ponte que não é praxe o comandante-geral enviar esse tipo de mensagem à corporação, sendo que ele também não havia postado nenhuma ordem direta sobre como os policiais deveriam se portar sobre a busca dos foragidos. “Foi surpreendente porque a comunicação oficial da instituição, em regra, é neutra”, disse. No sistema interno, todos os policiais militares têm acesso a essas mensagens do coronel.

“A partir do momento em que ele faz a contagem ‘faltam tanto’, ele está dizendo claramente que a determinação é para caçar e eliminar pessoas”, declarou outro policial.

Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), avalia que as mensagens são preocupantes e o comandante-geral precisa prestar esclarecimentos. “O que o comandante-geral posta dá a entender que é uma contabilidade, que 12 suspeitos deveriam ser eliminados. Isso causa grande preocupação, especialmente vindo da chefia”, afirma.

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“Essas mensagens, exatamente nesse contexto [da divulgação da lista de procurados], é difícil a gente não associar a todos os casos recentes e de crescimento da letalidade provocada pelas polícias de São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. Isso precisa ser explicado pelo comando da tropa, mas mais do que isso, explicado para a comunidade Polícia Militar.”

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública deste ano, as polícias de Minas Gerais mataram 147 pessoas em 2022, um aumento de 26,2% em relação ao ano anterior, que computou 116 vítimas. O governo mineiro não divulga dados de letalidade policial no site da Sejusp.

O que diz a polícia

A Ponte solicitou entrevista ao comandante-geral da PM e também pediu posicionamento sobre as mensagens do coronel à Sejusp. Perguntamos, ainda, qual foi a orientação dada às forças de segurança pública sobre as buscas aos foragidos. A assessoria encaminhou a seguinte nota:

A  Polícia de Minas Gerais(PMMG) informa que tem atuado, diuturnamente,  para prisão de criminosos, inclusive os foragidos da Justiça que integram a lista do programa Procura-se, que é coordenado pela Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais com apoio dos demais órgãos de segurança pública do estado.

A fala do comandante-geral da instituição exalta  a missão constitucional da Polícia Militar de Minas Gerais e concita  aos militares a  continuarem firmes na captura dos infratores e na manutenção da ordem pública.

O que diz o Ministério Público

A reportagem também questionou a avaliação do MPMG, que exerce o controle externo da atividade policial, sobre as mensagens do comandante-geral. Também não houve retorno.

Reportagem atualizada às 19h44, de 31/8/2023, para incluir resposta da PMMG.

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