Familiares de presos denunciam intimidação de agentes prisionais em protesto

    Ato cobrava resposta sobre a situação dos presos no Ceará, onde foram registradas 3 mortes e 489 confirmações da Covid-19, e precisou mudar de local

    Durante o ato, familiares se sentaram como os presos ficam dentro da prisão | Foto: Arquivo Ponte

    Pela segunda vez durante a pandemia, familiares de presos do sistema prisional do Ceará se reuniram para reivindicar melhores condições para os detentos. O ato desta quarta-feira (15/7) deveria acontecer em frente à Secretaria da Administração Penitenciária do Estado do Ceará, no bairro Meireles, em Fortaleza, mas precisou ser alterado para orla da praia Espigão da João Cordeiro, na Praia de Iracema.

    Isso aconteceu porque, antes mesmo de começar, policiais penais (agentes penitenciários que, desde dezembro de 2019, são assim chamados após emenda constitucional) intimidaram as manifestantes, segundo a organização do protesto.

    As familiares alegam que, após cinco meses da suspensão necessária das visitas e entrega de malotes, o cenário atual é de adoecimento das famílias por não terem notícias detalhadas da situação de seus filhos e maridos por parte Estado.

    As famílias pedem por acesso às informações, retorno da entrega de malotes, remédios e vitaminas, retorno da visita social aos internos e internas de todas as unidades prisionais, fiscalização em todas as unidades e respeito aos familiares das pessoas encarceradas.

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    Segundo o sistema de monitoramento do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), órgão subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, os presídios do Ceará têm 489 casos de contaminação do coronavírus, 335 recuperados e 3 óbitos. Os dados são do dia 10/7, data em que o Depen fez a última atualização.

    O primeiro ato, realizado há um mês, exigia a divulgação de um boletim epidemiológico, as entregas dos insumos de higiene e medicamentos. Ele aconteceu na frente da SAP-CE, no bairro Meireles, em Fortaleza. Na ocasião, as familiares foram acompanhadas por um advogado que tentou abrir um diálogo com o secretário Luís Mauro Albuquerque Araújo. Mas, além informar que não receberia as mulheres, acionou a Cotam (Comando Tático Motorizado), da PM, para dispersá-las, “com homens armados com todos os aparatos de guerra”, destacou uma das manifestantes.

    Nessa segunda tentativa, também na frente da SAP, o ato nem sequer começou e agentes penitenciários já dispersaram as familiares de forma truculenta. Uma mãe ouvida pela Ponte, ligada ao movimento Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e Prisional do Ceará, que pediu para não ser identificada por temer represálias, contou que elas tomaram todos os cuidados necessários para o ato: distanciamento social, máscaras e o mínimo de crianças possível, já que muitas mulheres não podiam deixar os filhos em casa.

    Leia também: Entidades brasileiras denunciam crise no sistema prisional do Ceará à ONU

    A motivação foram os inúmeros relatos colhidos pelas familiares de pessoas que foram selecionadas para cumprir prisão domiciliar, que, ao sair das unidades, relataram a falta dos insumos de saúde e de higiene. Além disso, existe grande dificuldade de se comunicar com os parentes presos, já que as cartas não estão chegando e o canal aberto pelo governo cearense, por telefone, não está funcionando.

    “Essa gestão [da SAP-CE] trabalha com base no punitivismo. Punir, punir e punir, na metodologia e na prática. E isso tem um respaldo muito grande do governador [Camilo Santana, do PT-CE] como do Judiciário”, aponta a familiar. “Eles nos abordaram com muita ignorância, nos mandando sair. Fomos avisando umas às outras que não iríamos ficar ali, que o ato aconteceria na orla”.

    Quando o primeiro grupo chegou à orla da praia, receberam informações de que outras mulheres, que não tiveram acesso à mudança do lugar, foram colocadas contra a parede pela polícia e abordadas de maneira truculenta. “É sempre assim que eles se comportam diante dos familiares, com a marginalização das famílias do cárcere, por parte da SAP e do judiciário”, lamenta.

    “Para eles, nós temos envolvimento com as facções criminosas, mas somos mulheres de periferia, trabalhadores, estudantes. A gente sabe que precisamos lutar e ser a voz dos nossos familiares”, completa.

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    As violações de direitos em presídios cearenses são anteriores à pandemia do coronavírus. Conforme a Ponte tem mostrado desde janeiro de 2019, o sistema prisional do estado do Ceará é superlotado e convive com recorrentes denúncias de maus tratos e torturas. Em novembro do ano passado, entidades brasileiras denunciaram a situação à ONU.

    Outro lado

    A Ponte questionou a assessoria da Secretaria da Administração Penitenciária sobre as informações citadas na reportagem e a repressão ao ato.

    Em relação às reivindicações feitas pelos familiares, a SAP informou “que as visitas sociais e a entrega de malotes seguem suspensas no sistema penitenciário cearense para evitar aglomeração. A medida é orientada pelas autoridades médicas e visa proteger a saúde dos mais de 22 mil internos e quase 5 mil colaboradores no período atual da pandemia”.

    Ainda sobre o assunto, a SP afirmou “mantém a entrega sistemática de kits de higiene para os internos das 30 unidades prisionais e que já estabeleceu quase 10 mil interações entre familiares e detentos através de cartas. A Secretaria também comunica que distribuição e dosagem de remédios são realizadas, de maneira criteriosa, pelos profissionais do Núcleo de Saúde e que esse procedimento ocorre de maneira rotineira e profissional”.

    Em relação à repressão durante o ato, a SAP nega que houve qualquer tipo de incidente. “Assim como qualquer outro prédio institucional da segurança pública, mantém policiais vigilantes em defesa do patrimônio público e das pessoas que ali trabalham”, finalizou a pasta em nota.

    Reportagem atualizada às 14h do dia 16/7 para inclusão da nota enviada pela Secretária da Administração Penitenciária

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