Supostos agentes à paisana estariam fazendo imagens do público presente ao ato e foram embora quando questionados pelos participantes. Bauru viveu episódios semelhantes — como a invasão de um velório pela PM em outubro de 2024
Familiares de vítimas de violência policial relataram terem sido intimidados por supostos agentes à paisana na noite desta quarta-feira (12/2) em Bauru, no interior de São Paulo, quando realizavam uma vigília de oração. O ato religioso ocorria em frente ao Cemitério da Saudade, na região central da cidade, ao mesmo tempo em que, na mesma quadra, era velado o corpo de um outro jovem negro — morto na noite de terça (11/2) pela Polícia Militar.
Durante a vigília, relatam os familiares, dois homens em trajes civis, apontados como policiais, teriam passado, aparentemente, a fazer fotos e vídeos dos participantes, com celulares apontados para eles, por volta das 21h. Os agentes também teriam rondado de carro o local.
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Na mesma quadra do cemitério, está localizado o Velório Municipal Liberato Tayano — onde, no mesmo horário, era velado o corpo de Igor Gabriel da Silva Santos, de 27 anos. Os agentes estavam posicionados no lado oposto da Avenida Rodrigues Alves, uma das vias que delimitam a quadra onde estão o cemitério e o velório. Ao serem questionados pelo público presente da vigília sobre o que faziam ali, eles foram embora. A cena foi filmada pelos familiares.

Intimidação recorrente
Igor Gabriel foi morto com quatro tiros por policiais do 13º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), o 28º batalhão mais letal da PM de São Paulo. A unidade ainda não dispõe de câmeras nas fardas dos policiais, conforme apontou reportagem da Ponte.
Bauru teve, apenas no ano passado, 13 mortes causadas por policiais militares em serviço, de acordo com o Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) — foi a oitava cidade do estado com maior letalidade da PM, apesar de ser a 18º mais populosa, com cerca de 390 mil habitantes, segundo dados do Censo de 2022.
Em ocasiões anteriores, familiares de pessoas mortas por policiais na cidade já haviam relatado sofrer perseguição e até agressões por parte de agentes por insistirem em denúncias contra a PM.
Em outubro do ano passado, a Ponte mostrou que um grupo de policiais invadiu o velório de Guilherme Alves Marques de Oliveira, de 18 anos, morto na cidade também por integrantes do 13º Baep. Os PMs agrediram a mãe e um irmão da vítima na ocasião, em cena que também foi filmada. Houve protestos em Bauru naquela altura contra a atuação policial.
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Agora diante no novo episódio de intimidação por policiais, a Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), sob gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), se reconhece algum dos supostos policiais à paisana identificados na vígilia. A reportagem também perguntou se a SSP-SP orienta policiais a acompanharem ou, pelo contrário, evitarem atos públicos como aquele, feitos em memória de vítimas de intervenções policiais.
A pasta respondeu, em comunicado assinado pela PM, que irá apurar a denúncia. E acrescentou que, “se identificadas irregularidades, as devidas medidas serão adotadas”, sem especificar quais seriam elas.

Jovem morto pela PM
Em outro comunicado enviado à Ponte, a SSP-SP afirmou ainda que Igor Gabriel, o jovem velado na ocasião em que também ocorria a vigília em Bauru, teria sido baleado em um suposto confronto com policiais após tentar fugir de uma abordagem no bairro Vila São João da Boa Vista. Os agentes teriam ido ao local em razão de uma denúncia sobre a presença de um suspeito de homicídio.
À reportagem, a família de Gabriel, como era chamado pelas pessoas próximas, contestou a versão da PM, afirmando desconhecer que o jovem tivesse armas ou participação em algum assassinato.
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Para os familiares, é possível que ele tenha tentado fugir por medo da PM, por ter antecedentes criminais. Ainda segundo a família, momentos antes de ser baleado, ele havia caído de um muro e estava indefeso, o que colocaria em xeque a alegação da PM de que teria tentado um confronto.
Além disso, reforça a família, se houvesse algo que eventualmente incriminasse Gabriel, ele teria de ser detido e investigado, e não executado sumariamente pelos policiais.
Gabriel, segundo os familiares, era respeitoso e de bom coração. Ele havia perdido há cerca de cinco meses a avó materna, a quem fez companhia no período em que ficou hospitalizada antes de falecer. A Ponte questionou a SSP-SP sobre qual foi o suposto homicídio que fez os policiais do 13º Baep perseguirem Gabriel na ocasião em que acabou baleado. A pasta não soube esclarecer.
Na nota encaminhada à reportagem, a SSP-SP afirma que a PM instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para averiguar o caso. Disse que a ocorrência também foi registrada na Delegacia Seccional de Bauru, da Polícia Civil, como morte decorrente de intervenção policial e apreensão de objeto. Na ocorrência, segundo a pasta, foram apreendidas drogas, dinheiro e materiais para tráfico, além de armas. A Ponte questionou se estavam em posse de Gabriel, o que a SSP-SP também não esclareceu.
Leia a íntegra da nota da SSP-SP sobre os supostos policiais à paisana
A Polícia Militar analisa a denúncia apontada pela reportagem. Se comprovadas irregularidades, as devidas medidas serão adotadas.
Leia a íntegra da nota da SSP-SP sobre a morte de Igor Gabriel
A Polícia Militar instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar o caso. Na noite desta terça-feira (11), após denúncia, um suspeito de homicídio foi localizado em um matagal no bairro Vila São João da Boa Vista. Ele reagiu à abordagem, efetuando disparos contra os agentes, que intervieram, resultando em sua morte. Na ocorrência, foram apreendidas as armas usadas na ação, drogas, dinheiro e materiais para o tráfico. O caso foi registrado como morte decorrente de intervenção policial e localização/apreensão de objeto no plantão da Delegacia Seccional de Bauru.